AURÉLIO PIRES
PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 07

Por Raymundo Nonato Fernandes

O progresso da historiografia desenvolve, atualmente, proposta de retorno aos aspectos centrais da experiência humana, que sempre foi de luta, onde as relações do homem com o meio produzem cultura e nela, a identidade das pessoas, dos povos e das nações.

É bom visitar o seu tempo e buscar o espírito de Minas na geração de Aurélio Pires, que medeia entre a Inconfidência e os nossos dias.

O Arraial das Lavras Velhas do Serro do Frio, erigido em Vila do Príncipe, em 1714, e elevado à cidade, em 6 de março de 1838, foi a “célula mater” do Norte de Minas, o berço dos mais antigos troncos mineiros e de ilustres filhos, como Teófilo Otoni, Cristiano Otoni, João Pinheiro, Edmundo Lins, General Gomes Carneiro, Pedro Lessa, e tantos outros... No Serro, nasceu a 23 de março de 1863, Aurélio Egídio dos Santos Pires, filho do Magistrado Doutor Aurélio Pires de Figueiredo Camargo e de Dona Maria Josefina dos Santos Pires, filha do Barão de Guaicuí, Josefino Vieira Machado.

Seu pai exercia sua judicatura nas cidades do Serro, Formiga, Curvelo, Pará de Minas, Sete Lagoas, Diamantina, São Luís do Maranhão e Ouro Preto, onde se aposentou, em 1891, como desembargador. A formação escolar de Aurélio Pires vai se fazendo por todos esses caminhos, que os filhos de magistrados deveriam percorrer. Mais tarde, ele comenta que os filhos de magistrados nunca podiam nascer e morrer na mesma casa.

Em Sete lagoas, não havia professor público de francês e latim. Ele vai estudar, então, na cidade de Santa Luzia do Rio das Velhas. Em 1975, seu pai vai transferido para Diamantina. Matricula-se no Seminário Diocesano, recentemente, fundado por Dom João e dirigido por sacerdotes franceses.

Concluído o terceiro ano do curso do Seminário, em julho de 1878, vai matricular-se no Externato de Diamantina.

Aos 17 anos, redige o primeiro artigo publicado no jornal dos estudantes “A Mocidade”, sobre a Escola Normal de Diamantina e inaugura sua carreira de jornalista, que nunca mais abandonou. Com Francisco Sá, funda um jornal republicano intitulado “Idéia Nova”, que eles mantêm enquanto permanecem em Diamantina.

Em março de 1881, vai para Ouro Preto submeter-se a um concurso para cargo na Diretoria da Fazenda Provincial. O emprego obtido assegurou-lhe as condições para custear seus estudos e suas despesas na tradicional república da Rua das Lages. Terminados os preparatórios, vai fazer medicina no Rio de Janeiro, aonde chega a 25 de março de 1882. Vai morar num bairro distante, quase uma hora de tílburi por ruas tortuosas e mal iluminadas. Desde então, registra em suas memórias, “começou para mim uma vida cheia de amarguras e de trabalho, superiores a minha idade e às minhas forças, de sofrimentos ignorados”. É que Aurélio era pobre e não contava com mesada para estudar. Vai se empregar como professor em um colégio onde leciona três horas por dia; tem alunos particulares; trabalha à noite como guarda-livros e faz medicina, no velho casarão colonial na Rua da Misericórdia.

Suas forças se esgotavam, sua saúde sucumbe e no terceiro ano é forçado a desistir do grande sonho de ser médico. Está doente, triste e exausto. É nestas condições que o encontra seu pai, quando passa pelo Rio de Janeiro a caminho do Maranhão, onde vai assumir o cargo de Desembargador no Tribunal da Relação. Leva consigo o filho doente e desolado.

Aurélio volta a Ouro Preto já com a saúde refeita e curado da obsessão de ser médico. Retorna ao cargo que antes deixara na Diretoria da Fazenda. A 28 de agosto de 1885, celebra seu casamento com Dona Maria Olinta de Sá, sua prima. Desde então, exerce, em Ouro Preto, intensa atividade política e cultural.

Ao lado de João Pinheiro e de Antônio Olynto, seu irmão, terça as armas em “O Movimento”, jornal de campanha republicana. Com o advento da República, Antônio Olynto dos Santos Pires, assume interinamente o cargo de primeiro Presidente de Minas Gerais.

Mesmo exercendo sucessivos cargos e intensa atividade política e jornalística, já maduro, diploma-se pela Escola de Farmácia de Ouro Preto, em 1894. Como representante da Escola de Farmácia, na inauguração da Faculdade de Direito, com um discurso proferido a 10 de dezembro de 1892, inicia campanha pela Fundação de uma Faculdade de Medicina, em Ouro Preto.

A 23 de outubro de 1897, parte de Ouro Preto com sua família para Belo Horizonte. Seus alunos estavam na estação para as despedidas. Chegou de trem à capital mineira, numa noite chuvosa, seguindo os atalhos dos caminhos, por entre ruas apenas projetadas, até a nova residência, ainda inacabada,à rua Cláudio Manuel, 1075.

Aurélio Pires vai agora atingir o esplendor de sua rica personalidade posta a serviço da juventude e com reconhecido brilho, ele é o professor, o jornalista, o escritor, o memorialista, o historiador, o tribuno, o orador, o humanista, mas acima de tudo, o educador.

A 10 de junho de 1902, realizou-se em Belo Horizonte um “meeting”, com o objetivo de expor-se aos poderes públicos a necessidade de fundação de uma Escola de Medicina. Aurélio Pires era o grande tribuno daquele tempo. Seu discurso inflamado, em favor da criação da Faculdade Livre de Medicina, foi estenografado pelo acadêmico Salomão de Vasconcelos e publicado no “Jornal do Comércio de Minas”, de 13 de julho de 1902.

Em 16 de fevereiro de 1906, é nomeado Reitor do Externato do Ginásio.

Eleito Presidente de Minas, João Pinheiro da Silva toma posse em 7 de setembro de 1906 e começa, no mesmo dia, os trabalhos da importante Reforma da Educação, em Minas Gerais, reforma essa publicada em 16 de dezembro de 1906. Nomeia Aurélio Pires, Diretor da Escola Normal Modelo.

Mas, a 8 de setembro de 1910, Aurélio Pires é chamado por Nilo Peçanha para assumir importante cargo do Ministério da Aviação e Obras Públicas. No Rio de Janeiro, continua ele sua perseverada luta pela Escola de Medicina, em Minas Gerais. Ele era um só e venceu. A 11 de março de 1911, fundava-se a Faculdade de Medicina. Entre os grandes pioneiros, não figura o nome do maior de todos eles, Aurélio Pires.

Em um dos pavimentos do Palacete Thibau, esquina de Afonso Pena com Espírito Santo, a Faculdade abriu suas aulas a de abril de 1912, com 113 alunos.

A 25 de março de 1913, Aurélio Pires teve sua admissão aprovada para a cátedra de Farmacologia, pela unanimidade da congregação. A 30 de abril de 1913, proferiu sua aula inaugural.

Diretor do Arquivo Público, a convite do Presidente Antônio Carlos, teve tempo e lugar para escrever suas falas no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, de que foi fundador e festejado orador oficial. Eleito seu Presidente, ofereceu àquela casa um brilho nunca dantes alcançado.

Por 20 anos, serviu à Faculdade de Medicina. Conforme escreve Mello Teixeira, “era a figura serena e sem asperezas, sempre aprumada, andar firme de passos silenciosos como quem deseja passar despercebido; a cabeça erguida, não de quem desafia, mas no gesto de quem fita as alturas, sob vastos e brilhantes cabelos brancos. O rosto alongado, o perfil florentino, na doçura da face os olhos pequenos rebrilham inquietos; na postura tranquila de gestos suaves, maneiras acolhedoras e fidalgas”.

Aposentado, mudou-se para o Rio.

A 25 de fevereiro de 1937, morre no Rio de Janeiro aquele a quem Pedro Nava, seu aluno na Faculdade de Medicina, celebra ao final de seu antológico poema “Mestre Aurélio Entre as Rosas”:


“Entre as rosas brancas
Mestre Aurélio pensa no passado
e entre as rosas brancas, sua alma desliza
mais branca que sua barba
e seu coração cada vez mais cheio de doçura,
mais cheio de perdão, quase transbordando,
vai batendo mais manso, mais devagar
batendo, batendo
tão só
tão bom
tão bom
tão só...”