VISCONDE DE CAIRU

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 08

Por Antônio Pedro Nolasco

José da Silva Lisboa nasceu em Salvador, em 16 de julho de 1756, filho do arquiteto português, Henrique da Silva Lisboa, e de sua esposa Helena Nunes de Jesus.

Não se identificando com a profissão do pai, desde os oito anos estudou, em Salvador, filosofia, música e piano! Seu pai decidiu estimular o filho para vôos mais altos e de nível superior, o que só poderia ser realizado em Portugal, cujo governo não permitia a existência de universidades na Colônia.

Assim, em 1774, aos 18 anos, José da Silva Lisboa já estava matriculado na Universidade de Coimbra, nos cursos Jurídico e Filosófico, colando grau em 1778.

Junto com os estudos que fazia, estudou, também, hebraico e grego. Já bacharel em Cânones, ainda estimulado pelo pai, prosseguiu os estudos e terminou os cursos de Filosofia e Medicina. Tudo indica que ele jamais exerceu a medicina. E da Filosofia, limitou-se às ciências sociais, para o exercício da vida pública.

Assim, após a formatura, foi nomeado professor substituto de grego e hebraico, no Colégio das Artes de Coimbra. Era o primeiro reconhecimento efetivo do intelectual que nascera na Colônia.

Contudo, saudoso da terra e dos amigos da juventude conseguiu, na mesma época, a nomeação para professor de Filosofia Nacional e Moral, em Salvador, Bahia. Desse modo, voltou para o Brasil e regeu essa cadeira por 19 anos, e o da língua grega, – curso que ele criou.

Economista atento acompanhava as teorias de Adam Smith e tinha consigo as ideias lógicas de que um país só progride se os seus industriais e comerciantes dispuserem de liberdade para agir, ganhar dinheiro e prosperar, o que não acontecia até então no Brasil Colônia!

Em suas manifestações literárias, ele seguia as idéias e fundamentos de economia política da Adam Smith.

Embora não fosse, nesse tempo, um prosélito de qualquer insurreição contra a Coroa, convivia com o pensamento da elite cultural brasileira e pregava a independência cultural da Colônia.

É atribuída a ele uma afirmação muito sugestiva, que tem eco, por motivos óbvios, em nossos dias: “O progresso é o único caminho da felicidade. E, para nós, ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar dono da própria história”.

Assim, vê-se explicita em José da Silva Lisboa a ideia de progresso, de contínua e incessante luta pela prosperidade e felicidade social, através da educação, da instrução pública e da divulgação do conhecimento científico.

Em 1797, voltou a Portugal, onde deixou os compromissos da cátedra, o que seria compensado pela sua nomeação como deputado e secretário da Mesa de Inspeção da Bahia.

No ano seguinte, tomou posse do cargo que iria ocupar com zelo e sapiência, até o ano de 1808. Era figura admirada e respeitada.

O futuro Visconde revelava, em trabalhos publicados, ter consigo a convicção de que o Estado deveria assegurar uma proteção ao bem comum, sem interferência excessiva nos assuntos particulares.

Percebe-se, claramente, em seus escritos, a valorização da concorrência entre os agentes econômicos como condição sine qua non para o bom funcionamento da economia nacional. Propunha, de maneira intransigente, a liberdade de trabalho e de iniciativa individual.

Intelectual de estirpe, publicou em Lisboa, no ano de 1801, a sua primeira obra “Princípios de Direito Mercantil e Leis da Marinha” que comportava lições sobre seguro marítimo, letras de câmbio, contratos mercantes, tribunais e causas de comércio.

Com motivos de sobra, logo que Dom João desembarcou no Brasil, ele pediu audiência para propor ao Príncipe Regente a abertura dos portos do Brasil. Funcionário da Mesa de Inspeção, Agricultura e Comércio da Bahia, redigiu com propriedade o pedido para levantar o embargo do comércio do Brasil com Portugal, ocupado pelas forças francesas de Napoleão. É possível que Dom João tenha visto com certa ironia aquela proposta, que já era tardia, uma vez que, ao que tudo indica, a abertura já estava decidida pela “Convenção Secreta de Londres”.

De qualquer forma, o ilustre José da Silva Lisboa seria o principal divulgador, no Brasil, dos princípios clássicos da economia liberal e, ao mesmo tempo, um defensor da ortodoxia católica em matéria política.

Naquele ano de 1808, Silva Lisboa publicaria “Observações sobre o Comércio no Brasil”, obra em dois volumes.

Três anos depois, editou sua principal obra, “Princípios de Economia Política”, inspirada na nova ciência criada por Adam Smith. Essa foi a primeira publicação dessa natureza escrita em língua portuguesa. Logo em seguida, ele escreveu as famosas “Observações apologéticas acerca da crítica que faz contra Smith o autor das Memórias Políticas sobre as verdadeiras bases da grandeza das nações.”

Sendo ele professor de Economia Política de renome, Dom João ordenou a Silva Lisboa que o acompanhasse até o Rio de Janeiro para auxiliá-lo. Ali chegaram em 7 de março de 1808. No mês seguinte, Silva Lisboa foi nomeado desembargador da Mesa de Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens.

A notável projeção de Silva Lisboa continuou e, em 10 de agosto de 1808, foi feito deputado da Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil.

Em 1809, foi incumbido de organizar um Código de Comércio, o que fez de forma sutil e objetiva.

Por seu prestígio, recebeu em 1810 a mercê do Hábito de Cristo. Em 1821, era incluído na lista dos membros da Junta de Cortes, para o exame de leis constitucionais, que eram discutidas em Lisboa.

Por esse tempo, fervia no Brasil as ideias libertárias.

É certo que nesse período, Silva Lisboa, com vínculos no Brasil e em Portugal, hesitou quanto a uma tomada de posição, pois tentou conciliar interesses de ambos os lados e impedir uma separação traumática, que já se descortinava. Para isso, fundou o jornal “O Conciliador do Reino Unido”, onde defendia os direitos do Príncipe e ponderava sobre as vantagens da monarquia.

Quando o príncipe regente, Dom Pedro de Alcântara, se pôs à frente do movimento de independência, Silva Lisboa não vacilou em apoiar a ideia. Seu manifesto “As Reclamações” teve grande efeito sobre a opinião pública. Foi, destarte, figura proeminente na proclamação da independência.

Consta que no episódio da independência, ele, conciliador, um tipo de herói de duas pátrias, teria arquitetado com o Visconde de Barbacena uma forma pacífica de Portugal admitir o brado de Dom Pedro. O Brasil assumiria o encargo – como de fato aconteceu – de uma dívida portuguesa, com a Inglaterra, de 3.500 libras esterlinas.

Na verdade, para alguns analistas e críticos mordazes, esse teria sido o preço da Independência e começo da divida externa brasileira, que viria até os dias de hoje.

Há de se ressaltar que foi grande a atuação do Visconde de Cairu, na organização da nova nação. Defensor da centralização do poder, o Visconde combateu, através da imprensa, os revolucionários da Confederação do Equador e, em seu trabalho “Rebate Brasileiro”, polemizou com o “Typhis Pernambuco” do Frei Caneca. Publicaria, em 1824, o “Apelo à honra brasileira contra a Facção Federalista de Pernambuco”.

Como Senador do Império, lutou com denodo para a criação da Universidade do Rio de Janeiro, fato que só seria concretizado cem anos depois.

Personagem de proa na nova nação independente continuou a ocupar cargos elevados, recebendo distinções honorificas. Assim, seria agraciado, em 1825, pelo Imperador, com o titulo de Barão e, no ano seguinte, com o título de Visconde de Cairu.

Sem a menor dúvida, poderíamos dizer que ele foi um cidadão que forjou sua existência no tripé de “mito, idealismo e história!” Mito em função da maneira fantástica do seu desempenho múltiplo e abrangente, no cenário da época em que atuou! Idealismo por força da grandiosa vontade de servir, da sua sagacidade e persistência, superando obstáculos e vislumbrando o porvir com um modelo de cultura autóctone! História por tudo aquilo que produziu de utilidade pelo desenvolvimento deste País!