CLÁUDIO MANOEL DA COSTA

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 14

Por Maria Natalina Jardim

O grande poeta inconfidente Dr. Cláudio Manoel da Costa foi homem culto e honrado, que morreu por seu envolvimento com a Inconfidência Mineira.

Magistrado ilustre e poeta barroco da melhor lavra na literatura brasileira, considerado um dos mais importantes do período colonial. Fez parte da transição do barroco para o Arcadismo, sendo o introdutor do mesmo no Brasil, com a publicação de suas “Obras Poéticas”, em 1768. Enraizado na terra natal, realça em seus versos um bucolismo marcante, tal o amor que sempre teve pelas belezas
naturais de sua querida pátria. Nascido em região inóspita de Minas, Vargem do Itacolomy, freguesia da Vila do Carmo, hoje Mariana, com freqüência se referia às montanhas mineiras, sentimento que, se realçava a rudeza das pedras, ao mesmo tempo era dominado pela brandura, com referência ao berço natal. Fez os primeiros estudos, em Vila Rica, centro de intensa vida intelectual e importante setor de mineração do século XVIII. Ainda pequeno, foi para o Rio de Janeiro, onde estudou no Colégio dos Jesuítas. Ali recebeu conhecimentos de latim. Filosofia, matemática e linguagem. Viajou aos 17 anos para Coimbra, onde se formou em Cânones. Nos primeiros poemas publicados em Coimbra, deixou a marca do barroco, evidenciada pelo cultismo e o formalismo, vazados em seus versos. Viajou pela Itália, percorrendo-a quase toda e estudando a literatura italiana, da qual era entusiasta. Frequentou a Academia dos Árcades de Roma, onde se familiarizou com poetas e escritores italianos. Dominou completamente o idioma, chegando a escrever cantatas e sonetos valiosos, segundo a crítica da época.

Voltando ao Brasil, aos 25 anos, dedicou-se à advocacia. Foi nomeado Secretário do Governo da Capitania de Minas, por duas vezes, pelo Conde de Bobadela, posição que manteve por 30 anos, aproximadamente. Jurista culto e renomado, também exerceu em Vila Rica o cargo de Procurador da Coroa e desembargador. Conhecida a sua cultura geral, foi encarregado de elaborar a carta topográfica de Vila Rica e seus limites, em 1758. Não levou muito tempo e o grande homem público se tornou mestre entre os confrades amantes da poesia, pois todos o apreciavam como excelente poeta. Tornou-se enfim, uma figura relevante na Capitania, chegando a fundar ali uma Arcádia – a Colônia Ultramarina – onde demonstrou seus pendores poéticos, com a apresentação do drama musicado: O Parnaso Obsequioso. Não faltaram referências aos pastores e às ninfas, dando realce aos bosques, rios e montes, para não fugir aos cânones do Arcadismo. Seu nome arcádico era Glauceste Saturno. Em 1773 terminou o poema épico Vila Rica, publicado somente em 1839 em Ouro Preto. Nele descrevia a epopéia dos bandeirantes paulistas na exploração dos sertões e suas lutas com os emboabas. Esse poema, embora célebre, em decassílabos e rimas emparelhadas, processo inviável na métrica portuguesa, não mereceu divulgação na opinião do próprio autor. Tinha como tema a fundação da cidade, com base em documentos e outras notas explicativas do Fundamento Histórico. Ele próprio considerou o poema comprometido pela monotonia, falta de beleza e atrativo. O fato de ser por ele mesmo condenado ao esquecimento e não apresentar o brilho de suas outras obras, incita-me a reproduzir delicioso verso, onde se expande harmoniosamente.

Estes olhos são da minha amada,
Que belos, que gentis e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Vinde olhos belos, vinde, e enfim trazendo
Do rosto do meu bem as prendas belas,
Dai alívio ao mal que estou gemendo:

Mas ah! delírio meu que me atropelas!
Os olhos que eu cuidei que estava vendo
Eram (quem crer a tal) duas estrelas.


Embora tenha absorvido a influência camoniana, como prova no segundo Epicédio: “A Morte de Salício”, sua formação literária não o impediu de usar o clássico. Em suas Obras Completas, onde há uma variedade de sentimentos, ora de brandura, ora de rudeza, exprime, segundo a convenção lírica, sua sensibilidade profunda. É o que diz Antônio Cândido em: Formação da Literatura Brasileira. Citava muitas vezes a palavra pedra, cujo recurso, lembrando nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, o revelou sobremaneira enraizado na terra Natal, talvez pelo desejo de encontrar no cenário pedregoso das Minas o alicerce necessário às suas emoções. A confirmação vem em muitos de seus poemas:

Aqui sobre esta pedra, áspera e dura,

teu nome hei de estampar, ó Franceliza,

 

Vós, mudas penhas, triste

figura da constância de meu peito.


No seu exercício poético, misturava a vivência natal com a civilização européia, mesclando cultura com naturalidade. Sua ambigüidade de sentimentos, tanto pela pátria – seu rústico berço mineiro – quanto pela Metrópole, colocava-o entre uma e outra ao manifestá-los, evidência clara no contraste natureza-cultura. Foi influenciado pelo bucolismo, reconhecidamente lapidado enquanto viveu no meio da literatura européia. Esse vivo sentimento de amor à pátria sempre o animou, até a morte. O mesmo sentimento o levou a uma terceira vocação: de bairrista a árcade, de árcade a ilustrado e daí a Inconfidente. Este foi o traçado que fez da sua vida. E nesse último envolvimento sucumbiu. O século XVIII vinha sofrendo algumas mutações no exercício da literatura e de outras manifestações artísticas européias, destacando-se certa rejeição ao barroco que, durante algum tempo, predominava naquele continente e pela América, principalmente na Colônia Portuguesa. Entre 1750 e 1836, a literatura brasileira era reforçada pela pena de alguns escritores vindos de Portugal. A partir de 1836, da lavra de grandes e médios escritores brasileiros – alguns mineiros – surgiu no Brasil uma literatura ainda presa aos antigos clássicos do século, tendo como veículo a poesia, o que, de certa forma, enriquecia a literatura portuguesa, tal a beleza e a excelência com que era apresentada.


Os jovens poetas e escritores daquele período tinham consciência de sua arte e da grandeza intelectual que a envolvia, pois eram inspirados na natureza da nova terra e nas imagens virgens a seu redor, sem contudo, deixar de lado o purismo absorvido na Metrópole. Havia um entrelaçamento forte do clássico com o neoclássico, pois, ao mesmo tempo em que as raízes de Coimbra permaneciam firmes nos sentimentos dos árcades, os matizes, as belezas e o exotismo da Colônia tingiam as manifestações intelectuais dos poetas. Nos poemas de Cláudio Manoel da Costa há certa formalidade que encobre o interior emotivo de sua personalidade. Sem esse formalismo estaria desfeita a concepção que se arraigou, em alguns críticos, de haver pouca vibração no que escrevia. Concepção errônea, na opinião de Antônio Cândido, segundo o qual, nota-se um cunho de dor, de ternura e até de queixume em muitos de seus versos: “A disciplina formal apenas disfarça um subsolo emotivo mais rico do que se poderia pensar, tendendo por vezes a certo dilaceramento dramático.” (Antônio Cândido, Formação da Literatura Brasileira).

Na Fábula do Ribeirão do Carmo, termina assim um de seus sonetos:


Nasci; tendo em meu mal logo tão dura,

Como em meu nascimento, a desventura.


O soneto foi uma de suas maiores formas de realização poética. Encontramos sempre em sua lírica, preciosismos que marcam seu pendor para o quinhentismo e o seiscentismo espanhóis. Useiro de vários estilos, sem abandonar o cultismo, no soneto não fugiu às influências do barroco, manifestadas pela rima sonora, pela metáfora, pelo hipérbato e as antíteses, à maneira de Quevedo e Góngora. Cláudio Manoel da Costa, um dos mais ilustres poetas nascidos em solo brasileiro, é autor de Minúsculo Métrico, Labirinto de Amor e Obras: uma coletânea de romances, sonetos, epístolas e epicédios, Memória Histórica e Geográfica da Descoberta de Minas, Saudaçào à Arcádia Ultramarina, entre muitos outros trabalhos. A seu fervor poético estavam ligados os acontecimentos da grande façanha brasileira, uma página triste da nossa história, a Inconfidência Mineira. Nesse movimento trágico vemos seu nome realçado. E foi por se envolver nele, que morreu um grande patriota, um grande mineiro, um grande poeta, um grande homem.