PETER WILHELM LUND

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 17

Por José Crux Rodrigues Vieira

O dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) mudou-se para o Brasil fugindo do clima nórdico, temeroso da tuberculose que vitimara dois irmãos. Depois do encontro casual com o conterrâneo Peter Claussen, Lund fixou residência em Lagoa Santa (MG). Nas cavernas da região, descobriu mais de 12 mil peças fósseis que permitiram escrever a história do período pleistoceno brasileiro – o mais recente na escala geológica – numa época em que o passado tropical era quase desconhecido pela ciência.
Lund descobriu também ossadas do chamado “Homem de Lagoa Santa”.

Lund é considerado pai da paleontologia brasileira. O título se deveria ao pioneirismo em pesquisas sistemáticas. Lund também é reconhecido como pai da arqueologia e da espeleologia (estudo das cavernas), pioneirismo extensivo às três Américas. Foi o primeiro a assinalar a presença de sambaquis e inscrições rupestres, além de descrever instrumentos líticos encontrados. Ele foi ainda o primeiro a localizar e entrar em algumas das mais de 800 cavernas que explorou. Lund descobriu fósseis de cavalos, diversos carnívoros como o tigre-dentes-de-sabre e o cachorro das cavernas, além de preguiças terrícolas, capivara e tatus gigantes. Ainda hoje, Lund é a principal referência para estudiosos da paleontologia de mamíferos no Brasil.

As coleções foram remetidas à sua pátria, devido ao financiamento de suas pesquisas pela monarquia dinamarquesa. No Brasil, os escritos de Lund foram publicados em 1935, pela Biblioteca Mineira de Cultura e, em 1950, pelo paleontólogo Carlos de Paula Couto, continuador de seu trabalho.

Antes do surgimento da teoria de Darwin, as descobertas de Lund apontavam para a evolução das espécies. Luterano convicto, o dinamarquês acreditava que desastres naturais teriam levado à extinção de diversas formas de vida.

UM BOTÂNICO EM LAGOA SANTA
Peter Lund nasceu, em Copenhague, a 14 de junho de 1801, filho de ricos comerciantes de lã. Bacharel em Letras, aos 17 anos ingressa no curso de Medicina. Em 1824, começa o trabalho como pesquisador de campo, com dois trabalhos condecorados. No ano seguinte, publica um livro de fisiologia, que foi adotado nas universidades de Copenhague, Viena e Nápoles. Lund transfere-se para o Brasil, em dezembro de 1825, e logo sente a “atração mágica da natureza tropical”. Reside, inicialmente, na aldeia de pescadores de Itaipu (RJ). Dedica-se à zoologia e, sobretudo, à botânica. Monta diversas coleções zoológicas, remetidas ao Museu de História Natural de Copenhague.

O naturalista embarca para Hamburgo, em 1829. Exibe suas pesquisas na França e Itália, onde mantém contato com autoridades científicas da época. Em 1833, retorna em definitivo ao Brasil. Desta vez, dedica-se à botânica das plantas domésticas, em companhia de L. Ridel. Juntos, excursionam pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Minas Gerais, para estudar a fauna e flora locais.

Em outubro 1834, um ano após a partida, Lund e Ridel chegam a Curvelo (MG), onde encontram, casualmente, Peter Claussen, que explorava salitre, em cavernas calcárias, na região de Lagoa Santa. Havia em seu interior grandes ossos, que os habitantes locais atribuíam a homens pré-históricos gigantescos. A extensa área para pesquisa levaria Lund a se dedicar à paleontologia. Lund compila suas notas de viagem nas “Observações a respeito da vegetação dos campos do interior do Brasil”.

Em 1835, Lund retorna a Lagoa Santa. As primeiras grutas visitadas foram a Lapa Vermelha e a Lapa Nova de Maquiné. Sobre a última, escreve: “quanto a mim, confesso que nunca meus olhos viram nada de mais belo e magnífico nos domínios da natureza e da arte”. Lund preservou certa paternidade sobre a descoberta, pedindo inclusive a conservação da gruta em testamento. As escavações nas grutas foram registradas por Andreas Brandt, desenhista e pintor norueguês, que se torna auxiliar de Lund.

Lund é considerado o pai da espeleologia brasileira pelo pioneirismo na visita a várias grutas e pela consciência ecológica vanguardista que demonstrou. Lund cria também a base para uma ecologia brasileira ao convidar o botânico Eugene Warming, para realizar levantamento do cerrado da região de Lagoa Santa, que originou o primeiro trabalho de fitoecologia do mundo, publicado em 1840.

INTERCÂMBIO CIENTÍFICO BRASIL-DINAMARCA
A aproximação entre as instituições científicas, brasileira e dinamarquesa, no início do século 19, é fruto da busca por provas da suposta chegada de vikings ao Brasil, antes de 1500. Lund é parcialmente responsável por esse estreitamento de laços: ele era membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro(IHGB), fundado no Rio de Janeiro em 1838, e da Sociedade Real dos Antiquários do Norte, criada em 1825 por Carl Christian Rafn.

Peter Lund e Peter Claussen foram admitidos no IHGB em 1839. Ele doou ao Instituto um exemplar do livro de Rafn, que narra a descoberta da América do Norte, pelos dinamarqueses, no século X, o qual causou grande impacto sobre a intelectualidade brasileira.

Na troca de informações entre o Instituto e a Sociedade Real, destaca-se um texto traduzido por Lund. O documento descoberto na Livraria Pública da Corte, datado de 1754 e bastante danificado, descrevia uma cidade abandonada, no interior da Bahia, encontrada por aventureiros em busca de ouro. O povoado, localizado em um planalto e protegido por uma muralha com inscrições indecifráveis, teria a estátua de um homem apontando o Pólo Norte na praça central. À beira do rio, ouro e prata abundantes.

A revista do IHGB chegou a anunciara descoberta da cidade – que não veio a acontecer de fato.

Em 1844, Peter Lund formularia nas publicações de ambas as sociedades suas idéias sobre a origem do homem pré-histórico brasileiro. Ele aceitava a co-existência de animais extintos e homens, pois encontrara ossos de homens e animais misturados. Ele conclui que o homem fóssil americano pertenceria à mesma raça que o homem atual.

O “HOMEM DE LAGOA SANTA”

Peter Lund era adepto da teoria catastrofista, segundo a qual desastres naturais teriam extinguido as sucessivas formas de vida.

Lund convenceu-se da antiguidade das ossadas humanas descobertas por ele, em 21 de abril de 1843. Esses ossos, de cerca de trinta indivíduos, estavam misturados a fósseis animais, “todos depositados aproximadamente na mesma época”, conforme relata Lund. A ideia de uma humanidade tão antiga a ponto de ter coexistido com a fauna extinta ainda não era considerada plausível.

Do ponto de vista antropomórfico, os fósseis descobertos por Lund eram bastante distantes dos indígenas americanos e próximos dos negróides. Suas características físicas eram homogêneas, o que indica seu isolamento genético. Essa identidade configurou o perfil que ficou conhecido como o “homem de Lagoa Santa”.

Entre as ossadas de Lagoa Santa, somente as mais antigas – datadas entre 11 e oito mil anos – possuem características negróides; os fósseis a partir de oito mil anos já apresentam características mongolóides. Pouco depois da descoberta do homem de Lagoa Santa, Lund abandonaria suas pesquisas.

O ENTERRO FESTIVO DE DR. LUND

Peter Lund era muito estimado pelos habitantes da pequena vila de Lagoa Santa. Teve, constantemente, a seu lado Nereo Cecílio de Ramos, filho adotivo de Lagoa Santa, que o auxiliava em tudo o que fazia. Ao morrer, distribuiu seus bens entre o filho e algumas pessoas que o serviram.

No livro O Naturalista, de 1923 Nereu revela um pouco da personalidade do paleontólogo. “Ele conservou até os últimos dias grande interesse pelo progresso da ciência. Era de um caráter nobre, benévolo, amável e caritativo”.

Lund faleceu a 25 de maio de 1880, três semanas antes de completar 79 anos.

Dias antes de morrer, Lund chamou o coveiro. Deu-lhe uma generosa gratificação e encarregou-o de abrir imediatamente sua cova, que deveria ter mais de vinte palmos de Profundidade. Solicitou uma grande festa para todos os moradores do arraial; à frente do cortejo, deveria vir a Corporação Musical de Santa Cecília, primeira banda de música de Lagoa Santa, fundada e custeada por Lund. Pediu músicas alegres e que ninguém chorasse. Em sua casa, a mesa farta foi posta, com os vinhos de sua adega.

Fonte: Raquel Aguiar; Ciência Hoje, Rio de Janeiro, agosto de 2001