PEDRO VICTOR RENAULT

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 27

Por Maria da Conceição Piló

Pedro Victor Reanult nasceu em Metz (Sierck), França, em 21 de junho de 1811. Chegou ao Brasil em 16 de junho de 1832.

Trabalhou como professor e em empresas de mineração. Em 1836, realizou, a serviço do Governo de Minas Gerais, expedição pioneira, desde a nascente do Rio Mucuri, até sua foz, com levantamento hidrográfico. Estudou a região, no tocante a suas reservas minerais, fauna, flora e tribos indígenas.

Exerceu medicina homeopática, em Barbacena, com muito sucesso, inclusive no tratamento de doentes mentais. Pesquisou o uso medicinal de plantas. Além de professor, foi fundador de Colégio Renault, em Barbacena. Em 25 de novembro de 1841, casou-se com Antonia Cândida de Araújo, filha de Faustino Candido Araújo e Ana Leopoldina.

Pedro Victor Renault, em seus 57 anos de vida brasileira, deixou prole de 8 filhos, 50 netos e 72 bisnetos. Faleceu em 17 de Outubro d 1892.

Há tempos foi encontrada, na França, uma carta de Pedro Victor Renault, para o irmão Léon. É de grande interesse seu conteúdo, que inclui o relato de sua viagem de desbravamento de sertões de Minas Gerais, quando descobriu, explorou e mapeou o Rio Mucuri, Dentro da limitação deste espaço, transcreverei somente seus principais parágrafos, com descrições de suas aventuras, entre a chegada ao Brasil e o ano de 1877, quando escreveu a carta.

“Barbacena, 17 de outubro de 1877.

Meu bom irmão Léon,


"Em 6 do corrente mês, eu te escrevi longa carta, em resposta à tua de 1º de setembro. Nela inclui um retrato meu, tirado em agosto de 1876, lamentando muito não ter podido te enviar os retratos da minha família, por falta de um fotógrafo que passasse por aqui. Farei questão de te enviar esses retratos, a fim de destruir a ilusão que tu te fazes supondo-os do tipo dos índios, ou de mistura da raça africana. Não é nada disso. São pessoas muito bonitas, que descendem da raça portuguesa, com olhos negros, cabelos da cor da asa de corvo, e formas bem desenvolvidas. (...) Apressado em responder à tua boa carta, eu não pude entrar nos detalhes concernentes à minha existência, desde minha saída da França. Vou, então, resumir essa existência. Chegado ao Rio, sem nenhum recurso, foi-me necessário encontrar os meios de me transportar para o interior da província de Minas, à procura de um emprego, como engenheiro, numa mina de ouro, e da qual me haviam falado em Paris, na embaixada do Brasil. Eis-me, então, ingressando em uma caravana, caminhando ora a pé, ora a cavalo, através de caminhos impraticáveis, e levando perto de 3 meses, para percorrer a distância de 150 léguas. Chegado ao meu destino, tive a decepção de encontrar a mina vendida a uma companhia inglesa, que tem por regra invariável só admitir ingleses como empregados. (...) Enfim, após ter perambulado, durante 2 anos, e vendido pouco a pouco a roupa que eu havia trazido da França, encontrei-me no fim dos meus recursos e, cada vez mais, com uma forte inflamação no fígado. Achei uma casa caridosa que me tratou e, em troca, durante o tratamento, eu ensinava a ler e a escrever à criança da casa, o que me valeu transporte gratuito até Sabará, com algumas camisas que me havia dado a dona da casa. Enfim, chegado a Sabará, cidade bastante importante, comecei a dar aulas de francês, inglês, química, física, matemática e alemão, que não tinha esquecido e que havia aperfeiçoado com a prática de lidar com o alemão. Um dia, em que eu havia resolvido um problema algébrico, que me haviam proposto, este problema caiu nas mãos de um inglês, diretor da mina de ouro de Morro Velho. Este senhor veio me encontrar e me perguntou se tinha sido eu que havia resolvido aquele problema. Diante de minha afirmativa, ele me disse: – ‘Então, o senhor deve, perfeitamente jogar xadrez’ – ‘Um pouco, lhe disse’. – ‘É preciso que eu substitua meu contador, que está muito doente e volta para a Inglaterra. Daqui a seis meses, virá outro. Durante este tempo, o senhor nos servirá, interinamente, pois não admitimos estrangeiros em nossa firma. O senhor Comerá à minha mesa, residirá em minha casa e ganhará oito francos, por dia, como contador, mas com unia condição: o senhor jogará comigo uma partida de xadrez todos os dias’. (...) Um dia, o momento fatal soou, meu sucessor chegou, meu
Eldorado desapareceu. (...) Com a economia de 400 mil réis, cerca de 1200 francos, eu me aventurei a me apresentar ao presidente da província, para lhe pedir emprego como engenheiro. Estávamos em 1836. Propuseram-me atravessar terreno de selvagens antropófagos, que diziam negros, e que tinham recusado, com raiva, todas as tentativas feitas de penetração em suas florestas. (...) Antes de chegar à entrada da floresta, foi necessário percorrer a distância de 200 léguas, onde se acha a cidade de Minas Novas. (...) Logo, fomos assaltados por Nak-Nanuks (habitantes das montanhas), pertencetes à grande família dos Botocudos. Eram selvagens nômades, antropófagos e muito ferozes. Meu intérprete lhes fez compreender que eu não lhes desejava nenhum mal, e que lhes trazia presentes. (...) Enfim, nós nos colocamos de acordo, e eles me reconheceram como seu
‘Krentigne Tépaquijié’ (grande chefe). (...) Mas, era preciso partir, pois eu estava apenas no começo da minha viagem. Foi preciso dizer adeus aos meus bons Nak-Nanuks, dos quais nos tornamos muito bons amigos. (...) Foi quando compreendi que estava no território dos ferozes Téperok (braços ruins), pois os Botocudos são divididos em várias tribos, inimigas umas das outras. (...) Eu domestiquei tanto quanto possível aqueles infelizes, que não tinham outra intenção a não ser defender seu território. Posso morrer com a consciência tranqüila, pois jamais atirei contra eles e só respondi aos seus ataques, com atos de amizade e de indulgência. Enfim, eu tinha achado um rio desconhecido de todo o mundo, do qual conservei o nome indígena (Mokury). (...) No final de 15 meses, quando da volta da viagem que fiz, para grande contentamento do governo, um judeu patife vendeu a um particular meus planos, projetos orçamentos e eu tive o desprazer de ver outro usufruir os frutos de meu trabalho, organizando uma companhia com meus projetos. Mas a doença que eu tinha contraído no Mukury me obrigou a vir me tratar em Barbacena. Enfim, em 25 de novembro de 1841, casei-me com minha querida Antônia, uma das filhas do médico que me tratou e continuei meu trabalho, até junho 1842, quando um movimento político eclodiu, e do qual fui vítima. Fui demitido, porque meu sogro e todos os parentes e amigos da família de minha mulher estavam comprometidos, apesar de que eu não havia sido ingênuo, para me envolver em coisas que não me diziam respeito. Então, foi necessário mudar de profissão e tornei-me mascate de lingerie, panos e bijuterias, e ganhei muito dinheiro. (...) Comprei escravos, terras, gados, e tornei-me fazendeiro, com um administrador que me deu oportunidade de estudar com prazer, em meio da solidão da floresta. Apliquei-me ao estudo da medicina homeopática, e fiz curas que me deram reputação, e graças a esses resultados, eu me apresentei no Rio de Janeiro e solicitei do governo para ser submetido a um exame livre. Triunfei e recebi meu diploma de médico. Voltei às minhas terras e comecei a trabalhar como médico e ganhei bastante dinheiro com minhas viagens. (...) Minha mulher me deu 14 filhos dos quais 8 estão vivos e entre os quais duas moças e três rapazes são casados e que, até o momento, deram-me 17 netos. Eu tenho, ainda, 3 filhos para casar e já noivos e sinto não poder prover as necessidades desta numerosa família. Ainda se eu tivesse saúde, se eu pudesse viajar isto não seria nada. Quanto a fazer medicina na cidade, não rende quase nada. São todos compadres, amigos aos quais não posso cobrar as consultas. (...) Receba para ti, meu querido e bom irmão, um terno beijo de amizade. Eu quis publicar todas as minhas viagens e as descobertas que fiz, mas eu não tenho mais energia e esta carta já me cansou muito. Ainda uma vez, eu abraço minhas irmãs e minhas cunhadas, e sou teu irmão que te ama.
Victor Renault”