CRISTIANO BENEDITO OTONI

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 34

 

Por Serafim Ângelo da Silva Pereira

Falar sobre a vida e obra do Senador Cristiano Benedito Otoni é tarefa que inspira e causa admiração a qualquer que a pesquise. Homem múltiplo, por exercer as mais diversas atividades, em climas diferentes, saído de modesta cidade perdida nos chapadões da então Província de Minas Gerais, ocupou as mais altas funções no Império e na nascente República Brasileira.

Sua vida é um livro aberto ao historiador, por isto não é difícil dissecá-la. Nasceu na cidade do Serro, antiga Vila do Príncipe, a 30 de maio de 1811, na “Casa dos Otoni” também chamada “Solar dos Otoni”, à Rua General Pedra, doada à União, por seu filho, Júlio Benedito Otoni, no ano de 1918. Desde o ano de
1947, serve de sede do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Seus pais são Jorge Benedito Otoni e Dona Rosália de Souza Maia.

Os pais naturalmente, atendendo às possibilidades dos filhos, não concordaram que ficassem insulados no interior da província. Contando com mil e uma dificuldades devido à precariedade dos meios de transporte da época, sendo a cidade natal distante 500 quilômetros linha reta da cidade do Rio de Janeiro, quase todos vencidos em viagem em lombo de burros, mandou-os para frequentar a Escola da Marinha, por ser gratuita.

Nosso biografado ficou hospedado na casa de um tio. Mas, aspirando mais alto, após o curso de engenharia da Escola da Marinha, reformou-se no posto de Capitão Tenente de Armada.

A princípio, na cidade de Ouro Preto e, após 1855, na mesma Escola da Marinha, mais tarde, Escola Central de Engenharia e, a seguir, Escola Politécnica de Engenharia do Rio de Janeiro, foi professor de matemática, matéria que dominava com grande sabedoria.

Quando da construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, depois denominada Central do Brasil, foi nomeado pelo Governo seu presidente, embora sendo seu contundente adversário político, por manifestar declaradamente suas predileções pelo regime republicano. Por sua atuação e idealismo neste setor de atividade foi cognominado “Pai das Estradas de Ferro do Brasil”, por ter sido o homem que, por sua inteligência e competência, capaz de vencer com os trilhos a Serra do Mar, pondo em comunicação Minas Gerais e São Paulo, feito que conseguiu entre os anos de 1855 e 1865.

Publicou os livros: Elementos de Aritmética; Elementos de Álgebra; Elementos de Geometria; e Elementos de Trigonometria, obras estas que foram utilizadas pelos mestres das escolas públicas e privadas do País. Mais ainda, deu a público os livros Máquinas a Vapor, uma biografia do Imperador Dom Pedro II, de quem era adversário político, História da escravidão no Brasil e A estrada de ferro no Brasil.

Ingressando na vida política, no verdor de sua mocidade, com apenas vinte e quatro anos de idade, foi eleito deputado geral pela, então, Província de Minas Gerais, sendo reeleito, várias vezes. Para mais acentuar suas atividades, demonstrando seu dinamismo em todo o leque de suas atividades, antimonarquista convicto, foi um dos que assinaram o Manifesto Republicano de 1870. Após, foi eleito senador pela província do Espírito Santo, no ano de 1879 e, igualmente por Minas Gerais, depois de proclamada a República, a 15 de novembro de 1889.

Grande polemista, entre 1845 até 1896, adversário político do Imperador D. Pedro II, este admirava suas qualidades e virtudes positivas. É que D. Pedro II era dotado de inteligência lúcida e ornado de qualidades positivas para saber colocar o valor de Cristiano Benedito Otoni além das questões partidárias.

Em seu proveitoso trabalho pelo bem coletivo, destacou sua atuação lado do irmão Teófilo Benedito Otoni, tomando parte ativa no movimento armado que foi superado através do poder combativo e tático do então Barão de Caxias (Luiz Alves de Lima e Silva).

Quando seu irmão acima citado, enganado pelo relatório otimista do engenheiro Pedro Vitor Sigaud, entendeu de vitalizar as energias dormentes da Bacia do Rio Mucuri, última área inculta do Estado de Minas Gerais, atuou em aliança com o irmão a partir do ano de 1849. Tomou parte ativa na criação da Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri, a primeira firma a emitir ações de Sociedade Anônima do País. Esta firma teve grande repercussão e maior atividade na época, por haver construído a primeira estrada carroçavel do Brasil (1853) cobrindo o percurso de Santa Clara (atual cidade de Nanuque) até Filadélfia (atual cidade de TeófiIo Otoni).

Justas homenagens eternizam seu valor. Uma delas, de alto estilo, é seu nome sendo utilizado para denominar uma das cidades desta federação.

Também, na cidade do Rio de Janeiro, a praça que fica em frente à Gare D. Pedro II, recebeu e mantém o seu nome e sua estátua, obra do afamado escultor Henrique Bernadelli, fazendo-nos lembrar os versos de Castro Alves, no poema “O livro e a América”:

Duas grandezas neste instante cruzam-se,
Duas realezas hoje aqui se abraçam”.

Pois os dois – D. Pedro II e Cristiano – que, na vida terrena, não se entenderam, convivem juntos numa homenagem tocante em um mesmo local. A vida os separou, a morte os uniu, para a história e para a posteridade.

Citando o grande Poeta, que imortalizou Portugal e seu povo, no poema “Os Lusíadas”, Luiz Vaz de Camões, homens como Cristiano Benedito Otoni são imunes à lei da morte porque, mesmo depois de cumprida a sua missão, neste planeta, continuarão vivos através de suas realizações.

E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte".

Embora republicano por ideal, vendo seu sonho realizado, não concordou, como também não concordo, com a maneira como foi proclamada a república, com toda a família real intimada a deixar o pais, pelo qual D. Pedro II deu todo o vigor de sua juventude, dentro do prazo de vinte e quatro horas, como se fosse um grupo de malfeitores. A Imperatriz Tereza Cristina, gravemente enferma, faleceu assim que chegou a Portugal.

Aos oitenta e cinco anos – poucos para uma vida tão útil – na cidade do Rio de Janeiro, Cristiano despede-se da vida terrena para viver para sempre elevado ao Panteão da história, como o homem que ocupou os mais diversos cargos e as mais nobres incumbências. Partiu do plano mais acanhado e chegou às culminâncias de representante do povo nos mais altos escalões da federação.

Cristiano e sua esposa, numa última demonstração de afeto, encontram-se juntos no Cemitério de São João Batista CP 1040 Q36.

A cidade do Serro, antiga Vila do Príncipe, hoje ligada a Belo Horizonte por ótima rodovia asfaltada foi, em tempos passados, pátria de notáveis homens que figuraram na vida pública nacional como, além dos irmãos Teófilo, Cristiano e Augusto Benedito Otoni, Simão da Cunha Pereira, João Pinheiro da Silva, Salvino Barroso e Nelson de Sena.

Reconhecendo seu alto merecimento, tornando viva sua memória, a 17 de maio de 1961, o Governo do Estado de Minas Gerais, através do Decreto nº 6.272, declarou festa cívica o dia 21 de maio de 1961, data que assinalava o sesquicentenário de seu nascimento.

De sua numerosa descendência, casado que era com Dona Bárbara Balbina Vieira Maia Otoni, a 30 de novembro de 1837, nasceram 15 rebentos, mas, apenas seis chegaram à maioridade. Citemos Júlio Benedito Otoni, “grande industrial, proprietário do contrato de iluminação pública da cidade do Rio de Janeiro no final do século XIX e que foi também doador para a Biblioteca Nacional da Coleção Benedito Otoni (1912), a mais importante coleção de livros sobre o Brasil e a América, já reunida no País”. A Associação Comercial do Rio de Janeiro e o Clube de Regatas do Flamengo, igualmente, tiveram algum tempo sob sua presidência.

O neto Raimundo Otoni de Castro Maia tornou-se respeitável intelectual, bibliófilo e colecionador de obras de arte, criou a mais notável coleção de livros de arte do País e a Fundação Raimundo Otoni de Castro Maia que reúne memorável coleção.

Esta a história, embora incompleta, do homem múltiplo, do homem ímpar, que soube engrandecer a família e a Pátria, que me honra sendo meu Patrono no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.