TEÓFILO BENEDITO OTTONI

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 43

Por Daniel Antunes Júnior

Teófilo Ottoni, cujo nome foi dado à sua querida Filadélfia – filha dileta de seus sonhos e ideais – foi uma personalidade que se destacou como político e empresário.

Registra Paulo Pinheiro Chagas – o seu grande biógrafo:

Político da melhor categoria e tribuno de inexcedível envergadura moral, Teófilo Benedito Ottoni era descendente de genoveses e paulistas da melhor linhagem. Nasceu na cidade do Serro, a 27 de novembro de 1807. Cedo ainda, enamorou-se do período clássico da História, vendo nas instituições anglo-americanas, com sua civilização liberal e puritana, o prolongamento dos dias gloriosos de Roma. Assim, sua formação política, voltada para a democracia e sempre contra o despotismo, moldou-se nos ideais de Jefferson, que já tinham empolgado os Inconfidentes Mineiros. Era esse espírito claro e objetivo da Democracia Moderna que infundia no grande serrano as motivações mais nobres para a sua longa jornada.

Idealista como Jefferson, Ottoni tinha o gênio, a eloquência, o sentimento, o instinto, a energia, a atividade e até as cóleras da Democracia, como disse Lafaiete Rodrigues Pereira, o Conselheiro.

Nenhum outro vulto do nosso passado tem maior cabedal de serviços prestados à formação de nossa cultura política – no que ela tem de mais elevado, de mais grandioso e de mais puro – do que a figura fascinante do serrano ilustre.

Ainda muito jovem Ottoni cursou a Academia da Marinha, onde foi o primeiro aluno. Praticando com sucesso o jornalismo e exercitando-se na política, deixou a Academia, por julgar-se incompatível com a disciplina militar. Pensa fazer-se engenheiro, estuda mecânica e a seguir retorna, com uma pequena tipografia, à Vila do Príncipe do Serro Frio onde, aos 23 anos inicia, com o “Sentinela do Serro”, a extraordinária jornada cívica que o projetou nacionalmente.

Em 1835, Ottoni foi eleito deputado à primeira Assembleia Legislativa da província de Minas Gerais. E, em 1838, com o voto dos liberais, elegeu-se deputado ao Parlamento Nacional, para a sua quarta legislatura, na qual teve excepcional atuação.

Abolicionista e republicano por convicção e, acima de tudo, democrata sincero, a abdicação de Pedro I veio robustecer suas ideias nacionalistas, eis que o País estava tirando do trono um príncipe português e colocando em seu lugar um príncipe brasileiro.

Em 1842, com Ottoni reeleito, os liberais tiveram maioria absoluta. Entretanto, o Imperador dissolveu a Câmara e convocou outra, para novembro do mesmo ano.

O germe da Revolução de 1842 já estava implantado, pois havia o receio de que a futura Câmara fosse dissolvida previamente, como, de fato, o foi, por um ato de força. Por isso, Teófilo Ottoni havia estimulado, por todos os meios ao seu alcance, a formação dos Círculos Patriarcais em todo o território nacional – uma sociedade secreta de fundo maçônico – de espírito nitidamente revolucionário.

A Revolução Liberal de 1842, que teve em Santa Luzia, Minas Gerais, sua página heróica, inscreveu-se na História como um dos marcos mais expressivos da consciência cívica da Nação. O gênio da guerra lhe foi adverso. Ottoni perdeu a última batalha, quando tudo estava praticamente ganho. Mas foi uma epopéia, em que os vencidos passaram da amargura da derrota à consagração dos seus ideais, aureolados de glória.

Feito prisioneiro, o último dos “Chimangos” foi mandado ignominiosamente, de Santa Luzia, a pé e a ferros, para Ouro Preto, onde o governo pretendia impor-lhe exemplar castigo.

Um ano depois da prisão, Ottoni foi levado a júri, em Mariana, onde o adversário tinha como certa a sua condenação. Deixado para o fim, o julgamento de Ottoni foi habilmente preparado, com fartas acusações e requintes de sadismo.

O juiz que presidiu ao julgamento foi industriado para, na formação dos quesitos, induzir os jurados à condenação.

A 19 de setembro, instala-se o júri, em velho casarão abarrotado. O promotor recusou doze jurados, “por suas notórias simpatias pelo acusado”.

Registra o seu biógrafo:
O réu entra na sala. Sereno, ereto, soberbamente tranquilo. Um pouco pálido, apenas. Não obstante, o ar guarda a velha insolência. Impassível, avizinha-se do banco dos réus, mas não se senta. E o tribunal em peso se levanta!
Sem embargo das admoestações do presidente, o tribunal conserva-se de pé, enquanto o réu não toma assento.
Ottoni não tem advogado. Ele faz a própria defesa. Não se retrata e corajosamente se confessa fiel ao lema do ‘Sentinela do Serro’ – ‘São direitos inalienáveis, imprescritíveis e sagrados, a liberdade, a segurança, a propriedade e a resistência à opressão’
”.

O heterogêneo conselho de sentença delibera, decifrando, com maravilhosa habilidade os enigmáticos quesitos.

E o réu é absolvido por unanimidade!

Pela terceira vez, Teófilo Ottoni elegeu-se deputado, em 1848, mas a Câmara foi dissolvida, pondo fim à fase dos liberais, no poder desde 1845. Inicia-se outra fase do “Luzia”, como era apelidado.

Como empresário, a grande obra de Teófilo Ottoni foi o desbravamento de toda a região do Mucuri. Basta dizer que o programa da Companhia do Mucuri foi considerado um dos maiores empreendimentos nacionais do século. Para essa arrancada tentacular, notável foi o caldeamento de raças de nacionalidades diferentes: índios, negros, brancos e amarelos, como alemães, holandeses, belgas, italianos, suíços, portugueses, espanhóis, sírios, libaneses e chineses, cada qual trabalhando e se expressando em sua língua, até que se abrasileirassem. Rasgaram-se estradas, plantaram-se povoações. E não se preteriu o direito dos índios, convertidos à civilização. E aí está a esplêndida realidade, que sintetiza seu empreendimento, em todo o Vale: a bela e cosmopolita cidade de Teófilo Otoni, a sua Filadélfia querida!

Registre-se, de passagem, que o município de Teófilo Ottoni foi criado pela lei estadual número 2.486 de 9.11.1878, com a atual denominação, em homenagem a seu fundador, falecido 9 anos antes.

Aos 53 anos de idade, Ottoni volta à política. Mas, o “Luzia” com o seu lema de “governo do povo por si mesmo”, não agradava às rodas palacianas. Entre 1857 e 1860, cinco vezes foi eleito senador pelas Gerais, e cinco vezes foi preterido pelo Imperador.

Lançando-se à luta, em grande estilo, com a “Circular aos Eleitores Mineiros” o último dos “Chimangos” foi eleito três vezes, simultaneamente, deputado pelo Rio e senador e deputado por Minas.

Preterido pelo Imperador, pela última vez, como senador, opta pela deputação por sua província. Foi a consagração definitiva. A partir de 1861, Ottoni foi o centro de gravidade das mais altas expressões do pensamento político. No episódio da queda de Caxias – o vencedor de Santa Luzia – como presidente do Conselho de Ministros, por falta de maioria na Câmara, o governo imperial resolve nomear Ottoni em seu lugar – honraria deque ele declina com dignidade. Em novas eleições, em 1863, Ottoni se reelege por Minas. Repetindo 1861, ele está duplamente eleito; deputado e senador do Império e, o que nunca admitira, vitalício.

Por essa ocasião, a popularidade de Ottoni atingiu o ponto mais alto. Só lhe faltava ser presidente do Conselho de Ministros. Mas havia fundadas incompatibilidades entre Pedro II e Ottoni. Tudo decorria da sua palavra ácida na tribuna, da sua pena irreverente na imprensa, da sua intolerância como beija-mão e, para arrematar, da sua tradição revolucionária, de cunho republicano. Tudo isso conspirou contra a convivência política, entre o Imperador e o líder mineiro.

Teófilo Ottoni exerceu o cargo de senador por cinco anos, ou seja, até 17 de outubro de 1869, quando, pouco antes das ave-marias, expirou tão suavemente, como se apenas tivesse adormecido.

Em 1960, noventa e um anos depois de sua morte, com honras de Chefe de Estado, seus restos mortais foram trazidos do Rio de Janeiro para Teófilo Otoni, sendo sepultados no panteón, que a cidade erguera junto de sua estátua, na Praça Tiradentes.

Segundo Paulo Pinheiro Chagas, Teófilo Ottoni, tribuno e advogado do povo, não foi Ministro de Estado. O líder liberal, que fez presidentes do Conselho, Ministros, presidentes de Províncias, senadores, deputados, não foi ele próprio Ministro. O império não o consentiu e tinha lá suas razões. O “Luzia” não era, suficientemente, maleável; não tinha dobradiças na coluna vertebral.