CÔNEGO JOSÉ ANTÔNIO MARINHO

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 46

Por Guaracy de Castro Nogueira

Cônego Marinho nasceu em 7 de outubro de 1803, no Brejo do Salgado, município de Januária, comarca de São Francisco. Filho de paupérrimos lavradores, não conheceu o pai, homônimo, que deixou para os filhos o futuro de lavrar as terras. A mãe muito humilde chamava-se Escolástica Maria de Jesus. Cedo, manifestou nele um desejo ardente de saber e de aparecer, voar alto. O avô materno o compreendeu e lhe ensinou as primeiras letras. Menino precoce, despertou o interesse de um padrinho abastado. Com sua proteção, a princípio limitada, abriram-se-lhe as portas do saber, no mundo da instrução, por onde ingressou com muita ambição e talento.

Uma circunstância fortuita veio de modo decisivo em auxílio de seu louvável empenho. Havendo uma festa religiosa no Brejo do Salgado, anexaram a ela uma representação teatral. Mas, na véspera, adoece quem se incumbira do papel de protagonista da comédia, o que trouxe desgosto para a aldeia se, com surpresa geral, não aparecesse o menino, Marinho, oferecendo-se para substituir o ator enfermo. Aceito o oferecimento, desempenha-se do compromisso, excedendo as mais favoráveis expectativas. Foi freneticamente aplaudido. O fazendeiro generoso, seu padrinho, mandou-o para Pernambuco, a fim de cursar as aulas necessárias.

Os rápidos progressos que no estudo fizera, entusiasmaram o velho protetor que manifestou a aspiração de colocá-lo um dia, para sair doutor, na Universidade de Coimbra. Concretizou-se o desejo e ele, de viagem para Portugal, teve que parar na Bahia. O brado da “Independência ou Morte” do ano de 1822, a beira do Ipiranga, ecoava grandioso no coração do jovem, futuro jurisconsulto. Adeus viagem à velha Coimbra!

Embriagado de entusiasmo patriótico, o jovem Marinho, na Bahia, juntou-se à mocidade que lutou para comprar a liberdade, que surgiu com a independência e provocou derramamento de sangue no território baiano. Expulsou-se para além-mar o brigadeiro português Luiz Inácio Madeira de Mello com seus 13 navios de guerra e 70 mercantes. Estava terminado o conflito.

O protetor de Marinho falecera. Em junho de 1824, com empenho separatista, Manoel de Carvalho Paes de Andrade proclamou em Pernambuco a Federação do Equador. Marinho se alistou para participar da luta. Houve choque entre as tropas imperiais e revolucionárias, e as tropas imperiais tomaram a cidade de Olinda, palco dos acontecimentos. A Revolução Republicana foi completamente vencida, resultando no fuzilamento, de 12 de seus chefes. Foi um sonho de Marinho a República do Equador. Refugiou-se na vila da Barra, onde ganhou o pão ensinando as primeiras letras à juventude.

O imperador esqueceu o crime e o nome da maior parte dos criminosos revoltados. José Antônio Marinho afirmou-se como líder na defesa de seus colegas de sonhos e de lutas. Nessa altura de sua vida, em que aspirações legítimas deveriam substituir qualquer desvio de conduta, o jovem republicano Marinho apaixonou-se por uma mulher que sonhava ter como esposa e este amor não correspondido o levou, um tanto desesperado, a escolher uma salvadora vocação.

Com auxílio do Bispo Dom Thomaz de Noronha ingressou no seminário em Pernambuco. Cumpriu-se o que a história registra, pelo abandono da mulher amada, subiu os altares e sepultou seu sofrimento nos sombrios claustros eclesiásticos. O bispo percebeu que a vida sacerdotal não era o objetivo da vocação do jovem e inteligente mineiro, despedindo-o ao tomar conhecimento de participação na política.

Tornou-se um proscrito e errante pelos sertões, a pé, sozinho, sem bolsa e sem alforje, castigado por noites mal dormidas, extenuado pela fadiga e pela fome. Ainda cheio de fé, bateu às portas dos padres do Caraça. Os lazaristas acolheram o desfalecido hóspede, como o Senhor acolheu o filho pródigo. Nesse colégio, benignamente foi recebido. Iniciou a complementação dos estudos que lhe faltavam. Com a tarefa de ministrar aulas, dentro em pouco, tornou-se querido pelos padres e pelos inúmeros discípulos.

Em 1829, teve acesso ao altar, ordenado presbítero.

Em 1831, obteve por concurso a cadeira pública de filosofia de Ouro Preto, e depois, em São João Del Rei, onde fez suas primeiras manifestações como político, colaborando no jornal “Astro de Minas”, como propagandista de suas ideias democráticas e afeiçoadas à causa popular. Sacerdote cívico, esteve sempre envolvido nos acontecimentos que ocorreriam na “imperial cidade de Ouro Preto”.

Em março de 1833, ocorreu na cidade uma sedição militar, fruto da revolução de 7 de abril de 1831, consequência, como é sabido, dos erros e abusos do primeiro reinado. Teófilo Ottoni muito trabalhou em prol do movimento que culminou com a abdicação de D. Pedro I. Mas, quase à mesma hora do triunfo, começaram os vencedores a dar o espetáculo triste e funesto das dissensões. Daí uma profunda cisão, lutas, recriminações e ódios entre moderados e exaltados do partido nacional que, pouco antes, unido e firme, levara a bom termo o cometimento patriótico memorável de 7 de abril.

Marinho estava entre os exaltados que sonhavam com a República. O deplorável acontecimento, a sedição militar de Ouro Preto, obteve em 1835 a anistia ampla para todos os envolvidos. A província ficou legalmente pacificada, mas moralmente com sequelas. Apenas nove anos depois da sedição, em 1842, a ordem pública foi de novo e ainda mais profundamente abalada por outra revolta, chamada Revolução Liberal, na qual se envolveu de forma profunda o Cônego José Antônio Marinho.

Marinho tornou-se escritor político na época da revolução de abril. Seus artigos falavam ao coração do povo e sua influência recrescia a cada publicação, repercutindo em todos os meios.

Em 1833, ficou ao lado dos derrotados em Ouro Preto. O papel importante que representava o padre Marinho na política, chamou a atenção de seus comprovincianos. Indicado por seus méritos intelectuais e serviços na imprensa e nos comícios, foi eleito membro da primeira Assembleia Provincial de Minas (35-37), ao lado de Teófilo Ottoni e outros velhos políticos da época. À mesma Assembleia voltou reeleito por duas legislaturas. Na Câmara dos Deputados teve assento como suplente em 1839.

Ao orador político e à fama de seus belos sermões, pregados em toda a Província, quis ele ajuntar os sucessos do foro. E obtendo a provisão de advogado, pôs o seu talento em prol dos oprimidos, os infelizes desvalidos.

Em 1840, os liberais agarraram-se à idéia, que não era nova, de elevar ao trono o jovem imperador, antecipando-lhe a maioridade. E as coisas se precipitaram. O menino imperador, com 14 anos, fez ruir a regência e manifestou a famosa frase “quero já” a maioridade, em 23 de julho de 1840.

Os liberais aguardavam a legislatura de 1842, quando teriam maioria absoluta, e na bancada mineira estariam Teófilo Ottoni e o Cônego Marinho. Entretanto, com a notícia que a futura Câmara seria dissolvida, os liberais se articularam. Os paulistas se comprometeram a levantar uma força respeitável, capaz de fazer recuar as tropas regulares do governo. Foi deflagrada a revolução. Os paulistas foram derrotados em Campinas, com vários mortos, em 6 de junho.A revolução em Minas escreveu uma página heróica narrada pela pena brilhante de seu historiador, revolucionário, liberal, educador de notáveis méritos Cônego e Deputado José Antônio Marinho. Houve encontros sangrentos por todo o território mineiro e, finalmente, em Santa Luzia. O Cônego Marinho se entregou à prisão e pessoalmente fez sua brilhante defesa no júri de Piranga. Ottoni, preso, saiu livre do júri reunido em Mariana em 1843. Pacificada a província com acordo quase unânime entre os saquaremas e os luzias (como então se denominavam os partidos), em 1844 o imperador concedeu anistia geral aos insurgentes. Os chefes liberais revoltosos voltaram ao poder.

Marinho voltou a Câmara como efetivo na legislatura de 45 a 47 e na de 1848, que só teve a sessão do dito ano por ter sido dissolvida. Com a mudança da situação política em 1848, o Cônego Marinho retirou-se à vida privada, encerrando o período de sua notável atividade política. Dedicou-se ao ministério sacerdotal, sendo pároco na Corte, e à nobre e elevada tarefa de educar a juventude. Para esse fim, fundou no Rio de Janeiro O Colégio Marinho que se tornou estabelecimento conceituadíssimo, sob sua austera direção. Já era cônego e pregador da Capela Imperial e fora galardoado com o título de monsenhor pela Santa Sé.

Uma terrível epidemia de febre amarela roubou para sempre a vida preciosa de um dos mais ilustres mineiros, Cândido José Antônio Marinho, a 13 de março de 1853, no Rio de Janeiro.