CONSELHEIRO LAFAYETTE RODRIGUES PEREIRA

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 55

Por Wolmar Olympio Nogueira Borges

A lição da harmonia de vida pública impregnada da responsabilidade do ardor cívico de Lafayette é que ele encarnou o conceito nimbado de ideal evocado pelo jurista Léon Duguit, “a política é a boa aplicação do Direito” – no Brasil contemporâneo quase uma fantasia surreal!

O patrono da Cadeira n° 55 do IHGMG fora filho de Antônio Rodrigues Pereira e de D. Clara Ferreira de Azevedo. Nasceu ele aos 28 de março de 1834 na Fazenda dos Macacos zona rural da Real Vila de Queluz, hoje cidade de Conselheiro Lafaiete e morreu no Rio de Janeiro aos 29 de janeiro de 1917.

Dir-se-á que cresceu no instante em que sua pátria conseguira alforria de liberdade por estar consolidado o Estado Brasileiro.

Foi nesse tormentoso e posterior período da vida nacional que, o jovem mineiro estivera interno no Colégio de Matozinhos, 1845, Congonhas do Campo, distrito de Queluz, e após estudar Humanidades, 1846/1852, com seu tio padre Felisberto Milagres no antigo Arraial de Prados, hoje cidade de Prados, não muito distante de Queluz, matriculou-se na Faculdade de Direito São Paulo, aonde colou grau, 1853/1857.

No livro Reminiscências Acadêmicas, 7ª série, testemunha Almeida Nogueira: – “primeiro estudante da turma, verdadeira sumidade intelectual; auxiliado por ardente amor ao estudo, Lafayette, no conceito geral, fazia jus à primazia entre os seus colegas. Vergado sobre os livros e esquivo aos divertimentos, raramente saia de casa, a não ser para ir às aulas e às sociedades literárias e científicas”.

Dessa maneira desde a juventude vivera distinguido por fulgurações intelectuais. Fora magistrado, Presidente de Província, ministro, deputado, senador, Plenipotenciário e Conselheiro do Império.

Após a Independência, no Primeiro Reinado e no período desconexo da Regência, é que os homens de seu tempo, afora os estadistas e pensadores, voltariam a repetir os próprios propósitos de outrora brindando a sociedade com pronunciamentos incoerentes, contraditórios, eivados de paixões. Os jornais da época dão as provas das desavenças. E, já bem antigas!

E, Lafayette soubera, apreender e conciliar o significado prático dos princípios e da ratio, aos interesses da coletividade.

Ora, não era somente o Partido Liberal o depositário da bandeira da liberdade. A História do Brasil atesta que os conservadores ilustres, do Partido Conservador verdadeiramente a praticaram em horas críticas, a serviço da sociedade, através do ideal libertário na consecução das leis. Sempre a procura do equilíbrio e da justiça. Todavia, aos 23-7-1840 a brasilidade estuante incorpora-se à figura do Imperador-menino entronizado D. Pedro II. É quando o Brasil se agiganta, no 2° Reinado.

Ora, liberal ele o fora por princípio, lógica moral que lhe ofertava a prática da democracia, direito conservador no Império; não o seriam, também, Marquês de São Vicente, Nabuco de Araújo, Silveira Martins, Sinimbú, Ouro Preto, Bernardo de Vasconcelos, Honório Hermeto, Joaquim Nabuco? Conscientes da excelência da Monarquia Constitucional unívoca garantidora das liberdades públicas, com a alternância do poder entre liberais e conservadores?

A formação cristã um tanto pragmática e a cultura humanística retemperada pelos mistérios jurídicos deram-lhe condições para se tornar um pensador lúcido, com visão clara dos acontecimentos.

E nas pegadas dos juristas clássicos sistematizou as matérias legando a todos nós o seu trabalho imperecível: valorizou a família célula mater da sociedade no seu Direito de Família; defendeu a propriedade inalienável, pressupostos dos governos, no Direito das Cousas; preconizou o bom relacionamento político dos Estados sob normas jurídicas, no Direito Internacional; dirimiu controvérsias, a expor com precisão no Pareceres a justeza dos direitos individuais.

No livro Direito de Família mergulhou nos conceitos antigos e foi justificar von Savigny, mestre do Direito Romano, e provar aos pósteros que os romanos não consideravam o casamento um contrato, mas tinham dele “noção elevada e puríssima”, um valor sagrado, impostergável.

Na obra sobre princípios do Direito Internacional, Lafayette consagra-se humanista, sem descrer da força do Direito.

Denuncia as inverdades da diplomacia dos fortes, condena os estratagemas dos poderosos, e reage aos males que infelicitam as boas relações entre os povos.

Tal tirocínio dera-lhe autoridade moral para sob o pseudônimo de Labieno, nos jornais, discordar da diplomacia britânica, na famosa questão Christie. E se o Imperador D. Pedro II reagira em defesa da honra brasileira aviltada, – também Lafayette, com veemência patriótica e ardor memoráveis, soubera acicatar a orgulhosa Albion. No livro Vindiciae defende Machado de Assis das severas críticas de natureza literária que lhe fizera Silvio Romero.

As cartas que Lafayette escrevera ao irmão Washington, retratam o homem sensível vivificado no lar. Valem pelo pitoresco do julgamento que faz das pessoas e acontecimentos.

Escrevendo, da Província do Maranhão, em 1865, na qualidade de Presidente, alerta o irmão querido – “O Saldanha Marinho leva para essa província a missão de hostilizar o Teófilo Ottoni, creio que não será muito feliz nessa tarefa. O Saldanha brigou ultimamente comigo por não ter lhe atendido a um pedido desarrazoado, como é tudo que quer semelhante homem. Ele é vingativo; portanto cautela”.

E que se repita e jamais se esqueça: há uma grande lição de vida, do Conselheiro Lafayette; muito embora tenha sido signatário do Manifesto Republicano de 1870, em hora crucial para a nacionalidade, ele jamais abjurou dos princípios de lógica jurídica que fundamentam o sistema de governo monárquico, substratum de suas convicções políticas.

Aliás, um corolário de sua cristalina visão jurídica, analítica, compromisso com a ratio e a lógica pura, elementos que o colocaram na condição de defensor da Monarquia, injustamente proscrita e à verdade de ser tal doutrina o mais ordenado sistema político a dar condições para realização da justiça social, vingar a democracia, e atingir a paz política condicionadora da harmonia social.

Daí, a grandeza moral desse jurista. Jamais desassociou o seu comportamento pessoal de jurisconsulto dos interesses supremos da Pátria, bem ao estilo superior a complementar a plêiade dos pró-homens de seu tempo, Rui Barbosa, Eduardo Prado, Affonso Penna, Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, monarquistas confessos.

Ele, Lafayette, e Rui Barbosa rezavam pela mesma cartilha de cultura, muito embora Rui, por injunções, viesse a ser considerado “republicano de última hora”. E é Rui, o paladino das liberdades públicas, quem ao abordar, na imprensa, o tema República, em arroubo de sinceridade escreveu: – “nunca a advoguei: apontei-a à Coroa, aos partidos e à Nação, como perigo evitável, mediante a reforma federalista. E quando... se verificou tão depressa o meu prognóstico, aceitei o fato como resultado por todos os motivos irrevogável”.

Porém, coerente, Lafayette posicionara-se de maneira contrária!

Posteriormente ao golpe republicano de 1889, de Paris, escreve ao irmão Washington e deixa de manifesto o anátema contra a situação, no Brasil: – “Tenho recebido tuas cartas, sendo a última de 7 passado. Por elas vejo o que me dizes da triste e miserável política dessa desgraçada província, hoje ridiculamente crismada em Estado. A constituinte que se elege hoje, já está totalmente desmoralizada, antes de nascer; é pura criação do Governo Provisório. Que idiotas! Que incapacidade colossal! A república, asseguro-te, é um ovo perfeitamente gorado no Brasil. Continua a mandar-me novas. As cartas do Rio pouco adiantam, porque há medo de violação do segredo no correio, não arrisques carta para mim pelo correio porque é com toda a certeza sonhada”.

E novamente de Paris, mesmo mês e ano: – “aqui me demoro em Paris até que o Congresso do Deodoro aprove o célebre projeto de constituição do Rui Barbosa. Vejo pelos jornais que a tirania militar que aí domina, se acha profundamente desmoralizada e enfraquecida. Mas continuam com poderes ilimitados, e eu não me iludo com tal gente, sei o ódio mortal que me votam e não me exponho um só minuto à sua vingança”.

Dessa maneira, Conselheiro Lafayette, estóico face aos reveses da existência, vai integrar-se ao Conselho da Monarquia em consonância com as diretrizes aventadas em Paris, no exílio, pela princesa Dona Isabel, rainha de jure do Brasil – e ante uma pátria incendiada pela emulação de mando, dilacerada pelas paixões políticas – ansiando pela Restauração, a viver com dignidade vai até o fim de seus dias dedicar-se aos interesses patrióticos e falece na cidade do Rio de Janeiro, nos idos de 1917.