MARQUÊS DE QUELUZ

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 58

Por Miguel Augusto Gonçalves de Souza


João Severiano Maciel da Costa, ao depois, Marquês de Queluz, nasceu em Mariana, Capitania de Minas Gerais, berço de estadistas, no ano de 1769. O ciclo do ouro atingia, então, seu momento de maior grandeza econômica, e iniciava-se, com a exaustão das minas, inexoravelmente, a prolongada fase de depressão econômica da Capitania.

Alcançava, em 1769, seu clímax, o movimento demográfico centrípeto ocasionado pela descoberta do ouro e do diamante, nas terras altas do planalto central mineiro, onde se iriam localizar cidades como Ouro Preto, Mariana, Sabará, São João Del Rei, Caeté, Pitanguí, Diamantina e Serro, geratrizes eternas da mineiridade.

Foi neste palco privilegiado que João Severiano Maciel da Costa viveu os primeiros anos de sua existência.

Seguiu, ainda muito jovem, para Coimbra, para estudar direito, matemática e filosofia, em sua afamada Universidade. Diplomou-se em Cânones, a 23 de junho de 1792. Em sua matrícula, feita a 12 de outubro de 1787, consta, expressamente: “Filho de pais incógnitos”, com a anotação adicional “Acrescentou Costa ao seu nome de matrícula”.

Três foram os principais partidos adotados pelos pesquisadores da filiação de João Severiano. Silva Leme o considera filho de Domingos Alves de Oliveira Maciel, importante personalidade na Capitania de Minas Gerais, entendimento este aceito por J. A. Pinto do Carmo e pelo Archivo Nobiliarchico Brasileiro. Nelson de Senna afirma ser filho do cônego Manoel da Costa, da Sé de Mariana, e acrescenta, ainda, ser ele irmão uterino de outro grande brasileiro, José Joaquim da Rocha. Essa hipótese é defendida, também, por Afonso E. de Taunay, em seu livro “Grandes Vultos da Independência Brasileira”. No entanto, para Salvador de Moya, ele seria tio e não irmão de José Joaquim da Rocha, tese, em princípio, aceita pelo emérito Diogo de Vasconcelos. Augusto de Lima Júnior sugere que João Severiano Maciel da Costa seja filho de Sebastião Correa Gallaz e de D. Joana Luiza Xavier, naturais de Guarapiranga, bispado de Mariana, havendo se graduado, na célebre universidade portuguesa, no ano de 1795, com 26 anos. Nenhuma documentação, porém, relativa ao afirmado, foi apresentada.

Examinamos, com paciência, na obra “Estudantes Brasileiros da Universidade de Coimbra (1771-1872)”, a relação dos alunos brasileiros matriculados, no período de um século. Nela encontramos, além da matrícula n° 340 de João Severiano Maciel da Costa, futuro marquês de Queluz, já mencionada, a de 413, relativa a José Severiano Maciel, filho de Sebastião Carneiro Galas, natural de Mariana, e que se matriculou, na Faculdade de Filosofia, em 12 de outubro de 1792, exatamente cinco anos após a data da matrícula, na Faculdade de Direito, de seu quase homônimo. Este paralelismo de matrículas de dois brasileiros, com nomes quase idênticos, ambos nascidos em Mariana, poderia ensejar justaposições e equívocos.

Encontramos, nos arquivos da ilustrada Universidade, com a colaboração da funcionária Ana Maria de Araújo Leitão Brandira, Livro de Matrículas – 1787-1788, número 16, folha 4, a matrícula de João Severiano Maciel, no primeiro ano jurídico, de teor seguinte: “João Severiano Maciel da Gosta, filho de pais incógnitos, natural de Mariana, admitido a este primeiro ano, como manda a Lei, a 12 de outubro de 1787”.

Com a certidão de batismo, que obtivemos em Coimbra, comprovou-se o que se segue:

I - O menino João, futuro Marquês de Queluz, foi batizado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Pereira, bispado de Mariana, comarca de Vila Rica, aos 7 dias do mês de maio do ano de 1769;
II - O corpo do recém-nascido foi exposto em casa de dona Luiza Joanna Xavier (comprovar-se-á tratar-se de sua mãe, sendo o seu exato nome Joanna Luiza Xavier);
III - O batizado foi celebrado pelo padre Manuel Dias da Costa e Lana;
IV - O padrinho foi o padre João Maciel da Costa, vigário da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Arraial de Antônio Pereira, bispado de Mariana, sendo que não houve madrinha;
V- A certidão de batismo foi passada, em 4 de fevereiro de 1787, pelo então vigário Manoel Marinho da Silva;
VI - O reconhecimento da firma do vigário Manoel Marinho da Silva é de lavra de Tomás Antônio Gonzaga, o poeta e inconfidente, ouvidor geral, corregedor de Vila Rica e sua comarca, e nela Juiz das Justificações.

João Severiano Maciel, quando estudante do quinto ano, em 1º de junho de 1792, teve a iniciativa de “procedimento civil de Justificação”, com o propósito de demonstrar que era natural da cidade de Mariana e, sobretudo, filho do alferes Sebastião Correa Gallaz e de sua mulher dona Joanna Luiza Xavier.

Sua petição foi despachada favoravelmente e seu diploma, expedido em 30 de julho de 1792, declara-o, expressamente, filho de Sebastião Correa Gallaz.

João Severiano Maciel da Costa se distinguiu, em Coimbra, como aluno dos mais brilhantes, premiado no 2°, 3° e 4° anos e, por seu “talento e aplicação”, foi merecedor de “honrosa distinção”, bem como, de cada vez, da importância de quarenta mil réis.

João Severiano Maciel da Costa advogou, em Coimbra, por diversos anos, e, finalmente, em 28 de junho de 1796, foi nomeado Juiz de Fora de Covilhã. Trata-se de cidade localizada na área centro-leste de Portugal, não muito distante de Coimbra.

Em Covilhã, nosso Patrono, magistrado, firmou bom conceito e casou-se, a 21 de janeiro de 1801, com a senhora D. Bárbara Benedita Tavares.

Ele, ao longo do Reinado de D. João VI e do Primeiro Império, entre 1808 e 1831, foi, certamente, das mais importantes e fecundas personalidades políticas brasileiras nascidas nas Minas Gerais.

Contribuiu, em momento difícil de transição, da colônia para a pátria livre e do regime absolutista para a democracia formal, valiosamente, para a preservação da unidade das diversas províncias e da nossa autonomia política, incluindo-se entre os grandes vultos da Independência. Como magistrado, governador da Guiana, deputado federal, presidente da Constituinte de 1823, conselheiro de Estado, redator da Constituição de 1824, presidente da Bahia, senador, ministro do Império, ministro dos Estrangeiros, ministro da Fazenda, escritor, Visconde e Marquês, prestou assinalados serviços à pátria, no momento mesmo de sua criação.

João Severiano Maciel da Costa publicou várias obras valiosas, dentre elas destacando-se “Memória sobre a necessidade de abolir a instrução dos escravos africanos no Brasil, sobre o modo e condições com que esta abolição se deve fazer e os meios de remediar a falta de braços que ela pode trazer; oferecida aos brasileiros, seus compatriotas”.

Esta publicação, de singular importância histórica, por tratar-se, cronologicamente, da primeira obra de estadista brasileiro advogando expressamente a abolição como o longo enunciado de seu título o revela, não se limita a condenar a escravidão, pois, também, de forma racional e pragmática, aponta os caminhos a seguir após a emancipação. Nela são anatematizados os aspectos aéticos e a perversidade social e econômica da escravatura, e, paralelamente, são indicados os rumos para a estruturação, no país, de nova ordem sócio-econômica. O ilustre historiador, cônego Geraldo Vidigal de Carvalho, a propósito, assim se manifestou: “A chegada da escravidão teve neste intelectual um clínico perito, que receitava não paliativos, mas medicamentos eficazes, após um diagnóstico preciso. Este profeta da nova ordem a ser instaurada, acertou em todos os seus pontos de vista. Quem viveu, viu. Os pósteros ao estudarem esta sua Memória, só o podem arrolar entre um dos campeões do abolicionismo, patrulheiro atento na proteção dos marginalizados, trazendo uma desconhecida épura de relações e possibilidades. Mariana, entre tantos outros vultos notáveis, pode se blasonar deste baluarte do período imperial, antiescravista denodado”.