INCONFIDENTE JOSÉ DE REZENDE COSTA

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 73

 

Por Aluízio Alberto da Cruz Quintão


Em 17 de abril de 1792, dentro da prisão, quando da leitura e intimação do acórdão condenatório, JOSÉ DE RESENDE COSTA quebrou o silêncio com um lamento incompleto: “Senhor, eu tenho credores e muitas dívidas!”. (Segundo testemunho do Frei Raimundo da Anunciação Penaforte, confessor dos condenados)

JOSÉ DE REZENDE COSTA é um dos vinte e quatro cidadãos brasileiros e
portugueses condenados, dentre muitos outros que foram processados como criminosos ditos inconfidentes, por terem, de alguma forma, participado, no fim
do Século XVIII, de uma tentativa de revolta contra a Coroa Portuguesa, fato que ficou conhecido como Conjuração ou Inconfidência Mineira.(1)

Era natural do Arraial de Prados, hoje cidade de Prados/MG onde teria nascido
em l728 em dia e mês desconhecidos, e foi batizado em 13 de junho de 1730, conforme consta de seu batistério na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição dos Prados.

Em seus registros históricos, não são identificados os pais e há referência a dois irmãos, os padres Gabriel e João de Rezende Costa.

Quando de sua reinquirição na Cadeia da Relação, no Rio de Janeiro, em 25 de junho de 1791, parece ter ele levado em conta a data do batistério, ao dizer ser “de idade de sessenta e um anos”, além de confirmar ser “natural da Freguesia da Conceição dos Prados, Comarca de São João, assistente na Freguesia da Vila de São José da mesma Comarca, Capitão dos Auxiliares, que vive das suas roças..., casado, e que não tinhas ordens algumas...”.(2)


Foi casado com Ana Alves Preto, portuguesa dos Açores, filha de João Alves Preto e Maria Pedroso de Morais, tendo o casal tido dois filhos, José de Rezende Costa Filho, também inconfidente aos 23 anos, e Francisca Cândida, casada com Gervásio Pereira Alvim, que, nos dias 20 e 23 de maio de 1791, assistiu ao ato processual e assinou, em nome da família, o Auto de Sequestro dos bens do seu sogro, dos quais ficou “fiel depositário”.(3)


Entre bens e propriedades arrolados no processo constaram, além de créditos de terceiros: – “uma morada de casas sita no Arraial da Lage”, vizinha de “casas do Reverendo Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, vigário da Vila de São José”, um dos cinco sacerdotes inconfidentes; – “uma fazenda de cultura sita nos Campos Gerais da Laje”, com casa de vivenda, engenho de farinha, moinho, casa de passageiros, senzala, 27 escravos, 55 cabeças de gado vacum, 30 cabeças de ovelhas e carneiros e 78 porcos; – “onze títulos de datas de terras minerais, com suas respectivas águas”; – “e uma biblioteca de sessenta volumes de obras clássicas de autores Homero, Cícero, Horácio e Virgílio, e Molière, Voltaire, Racine e Boileau.(4)


Entre “os trastes e mais bens” de uso pessoal não sequestrados, foram relacionados também “um cavalo ruço pombo” e “um negro chamado Marcelino Angola”, de cerca de sessenta anos.(5)


Do seu filho nada foi sequestrado, “pelos não possuir, por se achar debaixo do pátrio poder do sequestrado pai e se empregar nos seus estudos”.(6)

José de Resende Costa era tido como homem de posses e de costumes severos, benquisto e respeitado na região, constando ainda da historiografia colonial que ele “era uma das principais pessoas da Comarca do Rio das Mortes”(7), um “abastado lavrador”(8), ou “próspero e iluminado fazendeiro”.(9)


Além disso, com superintendência de parte da Estada Real Velha, atuou como Capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São José do Rio das Mortes, instituição paramilitar oficial integrada por pessoas de elevada posição social e bons recursos financeiros, como o eram também outros inconfidentes da região.

 
Nos Autos da Devassa ficou José de Rezende Costa lembrado como “homem velho e doente”, conforme referência de Toledo Piza (10), além dos destaques feitos, talvez com conveniente exagero, pelo advogado José de Oliveira Fagundes na peça de embargos de defesa ao acórdão de condenação à morte, como sendo ele pessoa que “não servia para sócio” do movimento, “pela idade e moléstia”, além de estar “o réu pai (...) na avançada idade de mais de 59 anos, trêmulo, pobre e de fraca e débil constituição”, após o desgaste do processo.(11)

 
Não obstante, razão pode ter havido para tal descrição, porquanto, além do sofrimento de ter sido preso e processado com seu filho que então se preparava para ir estudar em Coimbra, José de Resende Costa passou pelo tormento psicológico das ameaças, dos longos depoimentos, da humilhação das acareações, do isolamento nas prisões da “mais escrupulosa incomunicabilidade”, no dizer do então Ouvidor de Sabará e escrivão da Devassa, Desembargador José Caetano César Manitti, em oficio sobre cumprimento das medidas.(12)

E toda essa tortura moral e física a que foi submetido culminou Com a farsa da condenação à forca, seguida da comutação (previamente ajustada na Metrópole) da pena em degredo de dez anos na África, longe da mulher e da filha.

 
O drama pessoal e familiar de José de Resende Costa não permite que atinja a pecha de traição o fato de ele, tanto quanto seu filho, ter sido constrangido a mencionar para os inquiridores da Coroa alguns nomes de companheiros envolvidos no movimento. (13)


Segundo relato de Frei Raimundo da Anunciação Penaforte, confessor dos condenados, sobre a cena de 17 de abril de 1792, quando da leitura e intimação do acórdão condenatório, José de Resende Costa teria quebrado o silêncio com um lamento incompleto: “Senhor eu tenho credores e muitas dívidas!”, tendo então recebido corajoso consolo de seu filho, companheiro de infortúnio, com palavras de estímulo e resignação para, com fé na imortalidade, sofrer aqueles passageiros infortúnios em desconto de seus “ocultos crimes”. (14)


Nem mesmo a comutação da pena capital para degredo, autorizada por carta real 15 de outubro de 1790 e anunciada somente em 20 de abril de 1792, isto é, no terceiro dia após a da condenação à morte na forca, minorou seu sofrimento, diante de a condenação imposta ao filho ter sido não para Bissau como a dele, mas para “Cabo Verde e mais ilhas adjacentes”, local que, somente três semanas depois, em razão de novos embargos, acabou sendo o destino de ambos, para onde foram enviados na Fragata Golfinho em junho de 1792, segundo ofício do Conde de Resende.

 
Segundo o testemunho do filho, não se recuperou José de Resende Costa dos problemas de saúde, tendo cumprido apenas cinco anos da pena, durante os quais exerceu as funções de Contador, Inquiridor e Distribuidor da Ouvidoria de vila de Ribeira Grande, ilha de São Tiago, Cabo Verde. Faleceu em 1798 e o local do degredo recolheu seus restos mortais que nunca foram traslados para o Brasil.

Para honra paterna melhor sorte teve seu filho, cuja juventude estudantil fora interrompida pelas Consequências do fracassado idealismo de libertação de Minas Gerais do jugo colonial português.

 
Cumprida a pena, retomou José de Rezende Filho ao Brasil, tendo ainda feito carreira, ocupado o cargo de Contador Geral do Erário e de Escrivão da Mesa do Tesouro e sido eleito seguidamente Deputado pela Província de Minas Gerais junto às Cortes Constituintes de Portugal (1821 a 1822), representante mineiro junto à Assembleia Constituinte Brasileira (1823), bem como junto à 1ª Legislatura Ordinária da Câmara de Deputados (l826/1829). Recebeu o título de Conselheiro do Império em 1827 e em 1839 foi eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde pôde dar sobre a Inconfidência Mineira seu testemunho pessoal complementado com referência do livro A História do Brasil, do inglês Robert Southey. Faleceu no Rio de Janeiro, em 17 de junho de 1841. (15)


Em homenagem aos inconfidentes pai e filho, o Arraial da Laje tornou-se Vila de Resende Costa, em 30 de agosto de 1911, e foi elevada a Município, em 1º de junho de 1912, tendo o Distrito-Sede passado, em 07 de setembro de 1923, a chamar-se Cidade de Resende Costa.

[1] Conjuração (ato ou efeito de conjurar, conspirar) é termo que melhor qualifica o movimento de 1789, do que Inconfidência, que, a rigor, significa deslealdade ou traição, como foi para os companheiros a denúncia feita pelo português Coronel Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Guites, então Comandante do Regimento de Cavalaria Auxiliar dos Campos Gerais, beneficiado

depois com perdão de sua dívida e cargo público de tesoureiro e título de fidalgo da casa Real.

[2] ADIM, 5, 453.

[3] ADIM, 6, 425/431.

[4] Ibidem.

[5] Ibidem.

[6] Ibidem.

[7] Márcio Jardim, A Inconfidência Mineira – uma síntese factual, Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército Editora, 1989.

[8] Hélio Vianna, História do Brasil, Ed. Melhoramento, S.P., 1963, T.I.,pág. 357.

[9] Lúcio José Costa, ob. Cit.

[10] ADIM, 5, 319.

[11] ADIM v.7, 170.

[12] ADIM, 8, 351.

[13] Fábio Lucas, Minas Gerais no Século XVIII, pág. 163.

[14] ADIM, 9, 181/182.

[15] Abel Lara, O Inconfidente Deputado, e Rosalvo Gonçalves Pinto, Os Inconfidentes José de Resende Costa (pai e filho) e o Arraial da Laje, Brasília, Senado Federal, Subsecretaria e de edições Técnicas, 1992, págs. 33/35.