ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA – O ALEIJADINHO

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 79

Suposto retrato póstumo de Aleijadinho realizado por Euclásio Ventura no século XIX. Abaixo, sua assinatura.

 

Por Gladston Mamede

Recibo assinado pelo Aleijadinho quando recebeu o pagamento pela obra dos Profetas.
(Recebi do irmão Viçente trezentas e noventa e sinco oytavas três coartos e coatro vintens douro proced. Da fatura das Imagens dos paços do S. or de mim e meus off ais e pa clareza paço esse de minha Letra e Sinal. Matozinhos ds Congonhas do Campo, 31 de Dez. de 1799.
Antonio Francisco Lisboa
)

Antônio Francisco Lisboa nasceu em Ouro Preto, no bairro do Bom Sucesso (freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias), em 29 de agosto de 1730, filho de Manuel Francisco da Costa Lisboa, um português dedicado à arquitetura, e de Isabel, sua escrava, sendo libertado pelo pai no momento do batismo 1. Seu falecimento se deu em 18 de novembro de 1818, na mesma cidade, tendo sido sepultado em cova da Boa Morte, conforme certidão passada em Livro de Óbitos da Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias. Essa certidão, aliás, fala em falecimento aos setenta e seis anos, o que apontaria para o nascimento em 1738; acredita-se, porém, haver engano sobre a idade no assento de óbito 2. Seu falecimento, portanto, teria se dado aos 84 anos de idade.

Chamada, então de Vila Rica. Ouro Preto era a capital da Província das Minas Gerais, vivendo em plena efervescência do ciclo do ouro: imigrantes de todas as partes do Brasil e Portugal fizeram com que uma região quase virgem, no século XVII, contasse com cerca de 30.000 habitantes em 1709. Segundo Bazin, graças à família de Aleijadinho, a Província das Minas Gerais tomou a frente do movimento de evolução no domínio da arquitetura no Brasil 3. A maturidade do seu trabalho, contudo, só se dará no último quarto do século XVIII, quando a província já vive a decadência do ouro e as pressões da Coroa que, ao final, desembocaram na Inconfidência Mineira.

 
Rodrigo José Ferreira Bretas, em biografia publicada em meados do século XIX, fundada em entrevistas feitas com pessoas que haviam conhecido o artista, narra que Antônio Francisco Lisboa frequentara a escola de primeiras letras, aprendendo a ler e escrever, havendo, contudo, quem considere provável que tenha também estudado o latim. Aprendera a arquitetura com o pai, sendo possível que tenha ainda praticado com João Gomes Batista e Francisco Vieira Matos, na Corte do Rio de Janeiro 4. Sua atuação como arquiteto merece de Lúcio Costa o adjetivo de genial, após destacar as soluções que encontra para os projetos em que trabalha 5. No que se refere ao aprendizado da escultura, “permanecemos no terreno das hipóteses, tendo Rodrigo Melo Franco de Andrade sugerido o nome de Francisco Xavier de Brito, e Germain Bazin o de José Coelho de Noronha, ambos artistas entalhadores de renome no período. Não pode também deixar de ser mencionada neste terreno a influência de gravuras européias, principalmente registros de santos de origem germânica, amplamente divulgados na época em todo o mundo cristão ocidental, e com os quais as imagens do Aleijadinho apresentam grande afinidade estilística”6.

Antônio Francisco Lisboa foi um homem saudável até os 47 anos (1777), ano em que teve um filho natural. A partir de então, manifestou-se a doença 7. Estudando os males que acometeram Antônio Francisco Lisboa, o médico Tancredo Furtado principia resumindo os relatos que se referem tanto a mãos paralisadas, em texto do Barão Wilhelm Eschwege, que visitou congonhas em 1811, quanto à ausência de mãos, como nas afirmações do viajante inglês John Luccock e do naturalista francês Auguste de Saint Hilaire, entre outros. Sua nora, em entrevista ao historiador Rodrigo José Ferreira Bretas, fala em perda dos dedos dos pés e atrofia dos dedos da mão, que depois caíram, restando-lhe apenas os polegares e os índices, embora quase sem movimentos; as dores fortes o levaram, mesmo, a cortar um dos dedos que sobraram. As pálpebras inflamaram-se, perdeu quase todos os dentes e a boca entortou-se, tendo se abatido o queixo e o lábio inferior. Partindo desse quadro, debates realizados em 1930 levaram às seguintes hipóteses: doença de Raynaud, endoarterite obliterante, lepra, siringomielia, bócio e bouba; Em 1944, uma outra mesa redonda, organizada por José Mariano Filho, acresce outros possíveis males àquela lista: reumatismo deformante, acidente vascular cerebral e deformidades congênitas. Outra mesa redonda, organizada em 1964 pela Associação Médica de Minas Gerais, traz outras hipóteses à discussão: tromboangeite obliterante, paramiloidose polineurítica e a porfiria. No entanto, o diagnóstico de moléstia de Hansem, mais especificamente lepra nervoso, é o que conta com maior número de defensores, embora não tenha jamais obtido unanimidade 8.


Até Aleijadinho, a produção iconográfica (artística) no Brasil era singela: imagens em terracota, produzidas em São Paulo, e em madeira, na Bahia, no século XVII. Na virada para o século XVIII, os artesãos brasileiros aplicam-se em seguir mais fielmente os modelos que se traziam de Portugal, o que leva à assimilação do barroco, em meados do século XVIII, embora em obras de execução sumária, de talhe rústico e resultado tosco. O autor percebe uma evolução nos anos seguintes, designadamente na produção baiana (a Província da Bahia especializou-se em fabricar peças sacras para serem comercializadas em toda colônia), com cópias corretas, de bom estilo, mas ainda excessivamente comuns (banais) 9.

Superando esse estágio da arte nacional, Aleijadinho desenvolve uma estilística superior. Rompe com a tradição artesanal para construir uma expressão artística superior, não apenas na técnica, mas mesmo no enredo que dá às suas obras, nas quais chega-se a identificar uma coreografia estática própria10. Segundo o mesmo Bazin, “como arquiteto e ornamentista,o Aleijadinho trouxe o galardão supremo ao barroco português. Como escultor, se erigiu formas grandiosas das quais a civilização portuguesa não oferecia nenhum equivalente, não foi por espírito de revolução, mas, ao contrário, pelo despertar das forças criadoras que dariam à civilização luso-brasileira o grande artista-poeta que, depois de Nuno Gonçalves, ela não soube mais produzir”11.


Daí ter merecido as seguintes palavras de Mário de Andrade: “O Brasil deu nele o seu maior engenho artístico, eu creio. Uma grande manifestação humana. A função histórica dele é vasta e curiosa. No meio daquele enxame de valores plásticos e musicais do tempo, de muito superior a todos como genialidade, ele coroava uma vida de três séculos coloniais. Era de todos, o único que se poderá dizer nacional, pela originalidade das suas soluções. Era já um produto da terra, e do homem vivendo nela, e era um inconsciente de outras existências melhores de além-mar: um aclimado, na extensão psicológica do termo”12.


 

[1] FERREIRA, Delson Gonçalves. O Aleijadinho. Belo Horizonte: Editora Comunicação, l981; p. 11. JORGE, Fernando Jorge. O Aleijadinho: sua vida, sua obra, seu gênio. 4.ed. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967; p. 25-26. Os autores chamam atenção para certa controvérsia, entre historiadores sobre o nome do pai de Antônio Francisco Lisboa, já que no assento de batismo consta apenas Manuel Francisco da Costa.

[2] JORGE, op. cit.; p. 12.

[3] BAZIN, Germain. O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil. Tradução de Mansa Murray. Rio de Janeiro: Record, 1971; p. 52.

[4] Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho. Apud BRASIL [Ministério da Educação e Saúde] (organizador). Antônio Francisco Lisboa: o Aleijadinho. Brasília: Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1951; p. 23.

[5] Introdução: a arquitetura de Antônio Francisco Lisboa revelada no risco original da capela franciscana de São João Del Rei. Apud BRASIL [Ministério da Educação e Saúde] (organizador). Antônio Francisco Lisboa: o Aleijadinho. Brasília: Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1951; p. 11-21.

[6] OLIVEIRA, Myrian Andrade Ribeiro de. Aleijadinho: passos e profetas. Belo Horizonte. Itatiaia; São Paulo: Editora da USP, 194; p. 20.

[7] Bretas, op. cit., p. 24.

[8] FURTADO, Tancredo. O Aleijadinho e a Medicina. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros 1970.

[9] BAZIN, op. cit.; p. 49-51.

[10] Conferir CARMO, Joaquim Ribeiro do. Aleijadinho e a dança estática. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973.

[11] BAZIN, op. Cit.; p. 111.

[12] ANDRADE, MÁRIO DE. Aspectos das artes plásticas no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. p. 41.