ANÍBAL PINTO DE MATTOS

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 98

 

Por Elizabeth Rennó


Aníbal Mattos é personalidade do futuro pela multiplicidade das faces de seu caráter criativo e evoluído na aplicação de suas inclinações.

A identificação de Aníbal Mattos com a vivência da arte é maior do que o seu relacionamento com tantos e variados aspectos dos multifazeres do homo ludens e sapiens.

As primeiras obras pictóricas de Aníbal Mattos são influenciadas pelo impressionismo, em busca da luz e da cor que as pinceladas e as manchas trazem.

Em Belo Horizonte, funda a Sociedade Mineira de Belas Artes, promove as Exposições Gerais, segundo o modelo adotado pela Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro.

Apesar da revolução modernista que os anos 20 marcaram na vida cultural da cidade, a escola de Aníbal prossegue no exercício do pontificado escolhido com apresentação de temas mineiros e históricos, ao lado de retratos e paisagens, com técnicas inovadoras.

A contribuição de Aníbal Mattos às artes mineiras foi obra persistente e pioneira, abrindo clareiras para a oficialização dos salões de arte, concretizando o sonho acalentado da posse de um espaço comum para a apresentação de novos ou já famosos talentos.

Durante 50anos expôs em várias cidades de Minas e do país, obtendo Medalhas de Ouro, de Prata, de Bronze e Menções Honrosas.

Dramaturgo também, Bárbara Heliodora, peça de sua autoria, conquistou o primeiro prêmio em concurso comemorativo do Centenário da Independência, em 1923, no Rio de Janeiro; também a Academia Brasileira de Letras premiou sua peça “Almas Solitárias”, em 1934.

Professor, escritor, autor teatral e pintor consagrado, Aníbal Mattos era Sócio Efetivo e Membro de várias instituições de cultura e estudos históricos.

Deixou publicados 20 livros e estudos sobre paleontologia; 25 sobre História da Arte; 17 contendo ensaios, biografias, normas de ensino e até de criação de canários, além de 35 peças de teatro, novelas e poemas.

Em seu livro Das Origens da Arte Brasileira, editado em Belo Horizonte em 1936, Aníbal Mattos desenvolve abrangente pesquisa para posicionar as tendências e as formações artísticas brasileiras, especialmente em Minas Gerais. Partiu de um ponto inicial, o de origem, desusado pela maioria dos especialistas que procuram analisar as consequências do fato.

Esta origem da arte no Brasil segue ao lado do continente indígena e sua manifestação decorativa, ambientada pela natureza, que lhe rege a cultura primitiva.

Aníbal Mattos, com sua peculiar dedicação aos intrincados caminhos da busca e da verdade, segue rotas e as comenta, anteriores às de Colombo, pelas correntes polares ou equatoriais do norte, os tai-fong, tufes da China e das Filipinas, circunda icebergs, desvenda a história do país do Fu-Sang, provável descoberta de chineses e japoneses, para estabelecer identidades entre as manifestações sensoriais de várias civilizações.

A partir dos estudos do Professor Carlos Frederico Hartt, em 1871, as pesquisas arqueológicas despertam o interesse para uma sistematização. Os caracteres estudados, gravados na pedra, não trazem significação definida, afirmam elas. Os desenhos a tinta vermelha e os sambaquis, encontrados em todo o Brasil tinham sua existência ligada a afinidades étnicas. Entre os habitantes mais antigos das selvas brasileiras é que se encontra o embrião da arte do país. Das manifestações primitivas, das ramagens que lhe serviam de abrigo, das grutas e suas formações calcáreas, rendadas por estalactites e estalagmites, das palafitas, dos terramares, dos túmulos, chegou-se à habitação dos tempos de Cabral, conforme descrição na “Crônica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil, Livro 1” das notícias: “casas de madeira cobertas de palha, sem nenhum repartimento, com redes, duas portas, abrigando 30 a 40 pessoas”.

As artes e os ofícios, em moldes europeus, foram ensinados pelos jesuítas e os indígenas mostravam suas aptidões nas tarefas de dourador, escultor, ourives ou tecelão. Foram eles os construtores do templo, a exemplo do que ocorreu no Equador e no Peru, onde as igrejas, feericamente vestidas de ouro e prata, conservam alguns símbolos e deuses indígenas, entre as imagens dos santos, como a testemunharem o protesto de uma raça, que perdeu sua identidade religiosa.

O canto e a dança, os instrumentos utilizados para a sua expressividade, as máscaras, os objetos, sob o primitivismo despertado pela orientação do civilizado, traduzem a compreensão da beleza e da manifestação artística jacente pelos séculos e monitorada pelos arquétipos de uma cultura milenar.

Desenvolvendo um estudo sulcado de referências históricas, minucioso e detalhista, Aníbal Mattos relata como a arte está presente de maneira ímpar nas igrejas de Minas Gerais. As igrejas de Ouro Preto, Sabará, Mariana, Congonhas, Barbacena, embora não sejam as mais ricas ou belas do Brasil, possuem conjunto de empolgante majestade interna pela delicadeza de ornamentos, nas curvas barrocas angelicais, nas colunas jônicas em que sobressai a pureza helênica, como na fachada de São Francisco, obra prima do Aleijadinho exposta em volutas e de Athayde com seus painéis de têmpera azul.

As proibições da Metrópole quanto às tipografias, oficinas de ourives e às criações de sociedades literárias e científica, livrarias e ao desenvolvimento das artes não conseguiram paralisar o denodo, o gênio criativo, o vôo da palavra, as marcas do buril e do pincel, o som da escala musical enlevando e elevando a construtividade de uma nação que se quer livre e senhora de autêntica cidadania.

Registrar os lances da vida e obra de Aníbal Mattos é compilar material para a composição de um livro monumental, abarcando, além das artes plásticas, a literatura, o desempenho de funções representativas oficiais, as lições do mestre, os traçados do arquiteto, as normas do dirigente, o teatrólogo e dramaturgo que retrata as cenas do viver típico do brasileiro, o historiador que grava os rumos de uma arte brasileira, o sociólogo que estuda o habitante de Pindorama e analisa seus hábitos, o paleontólogo que faz pesquisa de campo, deste campo que seus olhos captaram sob as nuances douradas e cérulas e do pintor que via o íntimo de seus retratados.

Aníbal era regido pela magia do tom, da cor, da luz, do som dos objetos e das coisas, da harmonia de uma natureza que representava com a destreza das mãos, agentes da prestidigitação, no recolher as fulgurações ambientais feitas sob a impressão sensível de coordenação anímica.

Aníbal Mattos, do fazer múltiplo, é o poeta do traço que absorvemos e louvamos.