ABÍLIO BARRETO

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 99

Por Ildefonso Silveira de Carvalho


Há homens que não morrem, ficam encantados, pois suas realizações permanecem eternamente, gravadas na memória da posteridade. Abílio Barreto é um deles. Toda a geração de Minas precisa conhecer a história de Belo Horizonte, mesmo para melhor se conhecer.

Até os 12 anos, Abílio Barreto passou a infância em Diamantina, seu berço natal. Chegou a Belo Horizonte em setembro de 1895. Menino ainda, colaborou com a Comissão Construtora da Nova Capital. Depois disso, e antes da inauguração da capital, trabalhou como aprendiz e distribuidor nos dois primeiros jornais aqui fundados: o “Belo Horizonte”, do padre Francisco Martins Dias, e “A Capital”, do coronel Francisco Bressane de Azevedo.

Abílio Barreto deixou interessante depoimento de 1940, a que deu o título de “A luta pela História de Belo Horizonte”, sobre as ocorrências ligadas à publicação de sua obra, redigido em nove folhas de caderno aparadas na margem esquerda. Tinha 57 anos.

Em um dos trechos, dizendo-se sentir “envelhecendo”, escreve Abílio Barreto: “Fadigas inenarráveis, desalentos cruéis não conseguiram, entretanto, abater o meu ânimo e, a 23 de outubro de 1927, lia perante a Academia Mineira de Letras, alguns capítulos do primeiro volume de “Minha Obra”. Referia-se ele a “Belo Horizonte Memória Histórica e Descritiva” – 1° Volume, que trata da memória histórica da Capital, de 1701 a 1893. “Em 1930 – prossegue Abílio – o Conselho Deliberativo da Capital, presidido por Hugo Werneck, aprova um projeto auxiliando a minha obra em 15 mil contos de réis. O projeto foi convertido em lei e sancionado pelo prefeito Alcides Lins. Favorecido por essa balsámica aura de boa vontade, o segundo volume (História Média) ficou pronto três anos depois”.

Era copiosamente ilustrado esse segundo volume, com 760 páginas, tratando da História da Capital, de 1893 a 1898, “como o primeiro, na definição de Abílio”. Foi editor Antônio Guerra, da Livraria Rex, que se deu à tarefa de reunir depoimentos de vários intelectuais mineiros, na apresentação da obra.

Tendo falecido aos 76 anos, e apesar da modéstia que o fazia avesso a homenagens, conforme testemunho de Hélio Gravatá, ex-assessor do Arquivo Público Mineiro, nunca em vida Abílio Barreto deixou de ter o reconhecimento de seus contemporâneos.

Em junho de 1935, o persistente historiador recebe convite do então prefeito Otacílio Negrão de Lima para dirigir e organizar o Expurgo Municipal. A impressão tida por Abílio não foi das melhores, principalmente pelo fato de ele ser visceralmente devotado à preservação da memória histórica. “O arquivo era, até então um amontoado de livros, papéis e outros objetos, embaralhados, empastelados, na maior confusão”.

Para se ter uma idéia aproximada do que era o Arquivo (então grafado com ch) basta lembrar que “era frequente os seus funcionários responsarem a Santo Antônio para descobrir qualquer livro ou papel que lhes fosse pedido pela Administração. E mesmo com o acreditado auxílio do Santo, não o conseguiam”.

Quando a Capital completou 50 anos, publicou Abílio Barreto seu “Resumo Histórico de Belo Horizonte”, em que condensa os dois primeiros volumes de sua obra consagrada (História Antiga e Média), alcançando o ano de 1947.

O último volume da obra de Abílio Barreto sobre Belo Horizonte, ainda inédito, é narrado em tópicos, sob a forma de efemérides e não descritivamente, como nos livros anteriores, constituindo-se na História Moderna de Belo Horizonte, O original é altamente revelador do zelo do autor na elaboração de seu trabalho e da total confiança que se pode ter nas informações por ele coligidas.

Há o original manuscrito e outro original datilografado, ambos pessoalmente revisados por ele, em que se assinala o rigor metodológico do historiador, cuja meticulosidade aliada a uma sistemática consulta a numerosas fontes sobre o mesmo assunto, além da observação pessoal, criteriosa e isenta, transformam os livros de Abílio Barreto em verdadeiras preciosidades.

Além de escrever a História de Belo Horizonte, Abílio Barreto faz parte dela. A sua imensa capacidade de trabalho pode ser verificada hoje, tanto no museu que leva o seu nome, como na Academia Mineira de Letras, no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais a que pertenceu, como no Arquivo Público Mineiro, do qual foi Diretor.

A necessidade de fazer a Historia da Nova Capital é por ele expressa nas “Palavras Preliminares”, do II volume (História Média): “Creio mesmo que nunca houve em Minas outra localidade de vida tão morigerada, mais tranquila, mais uniforme, por isto mesmo, mais sem história do que o Curral D’el Rey, postas de lado as suas lutas políticas de campanário, que não passavam de brigas de compadres”.

Mais à frente, acrescenta: “Realizando este trabalho de paciência e de amizade á terra tão boa e bela, de quem me julgo filho adotivo, devo esclarecer que não me animaram preocupações literárias. Tive em mente, antes de tudo, o ponto de vista mais singelo de utilidade do livro, que considero mais uma repositória de matéria-prima a ser beneficiada”.

Excesso de modéstia? Talvez sim, na opinião de Abílio Filho: “Papai não era dado a aparecer. Ele realmente não gostava disso”. Augusto Fernandes foi o autor da única biografia de Abílio Barreto, “Nobre Vida”.

Ao final das 78 páginas, Augusto, companheiro de Abílio no Instituto de Estudos Diamantinenses, ao lado também de Ayres da Mata Machado afirma: “É que Abílio Barreto, com os seus 66 anos de idade, que definem, apesar disso, uma sadia mocidade, não é ainda o cavaleiro que cruza as armas ante a fúria da tempestade. Como um atirador de pontaria certa, nada o empana na visão do alvo que mirou entre música, poesia e flores. Procuramos, rebuscando nossos arquivos, dar um pouco, ainda que descolorido relevo de um nome que se escondeu humildemente, como as violetas nos cantos dos jardins. Mas tudo foi em vão porque, na verdade, seria uma utopia pretender penetrar na alma, na vida, na obra e nos sonhos do artista com suas elevações superiores e divinas. Fica, porém, de tudo quanto podemos ver e sentir um pálido subsídio a uma historia que será escrita”.

Ainda que não se tenha agradado de tributos como este, Abílio ocupou-se de fazer revisão do texto e acrescentar informações, após publicação da primeira edição, vislumbrando, quem sabe, a importância da obra escrita por um amigo que não lhe economizava adjetivos, O fato é que – “Nobre Vida” retrata com justiça o que foi e será sempre, para todos os belorizontinos e mineiros, a figura maiúscula do austero historiador que foi Abílio Barreto.

Há quem afirme que sua obra não há de ser medida tão somente pela quantidade de livros que escreveu, mas, especialmente, pela quantidade de documentação que conseguiu reunir, um dos poucos que se preocupou (e tanto!) em resguardar a vida da cidade.

Em 1941, foi sancionado o decreto de criação do Museu Histórico, sendo governador de Minas Benedito Valadares. Era prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek de Oliveira, quando foi Abílio Barreto nomeado seu primeiro diretor.

Abílio Barreto entendeu que o prédio da Fazenda do Leitão serviria tão somente para guarda do acervo do extinto arraial, abrangendo o período de instalação da Comissão Construtora da Nova Capital até a inauguração, em 12 de dezembro de 1897.

Entendeu conveniente também construir uma capela, que seria a reprodução, em menores proporções, da matriz de Nossa Senhora de Boa Viagem e um prédio de três pavimentos que guardariam a memória histórica da cidade, a partir da inauguração, constituindo-se num museu vivo que acompanhasse a história da cidade.

Afinal, a obra de Abílio Barreto, que reúne a produção de 28 livros de Poesia, História, Romance, Contos, afora conferências, artigos de jornais e outras publicações, assinala o seu intenso amor à cidade e à literatura. Na abertura do 1° volume da “Memória Histórica e Descritiva” ele afirma com a sinceridade dele tão particular: “Amo Belo Horizonte, como enternecido amor que dedico ao meu torrão natal – Diamantina”.