Marcos Paulo de Souza Miranda

Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

Cadeira nº 93. Orville Derby

 

Causou-nos enorme perplexidade a notícia publicada recentemente por diversos órgãos da imprensa nacional sobre o projeto de lei apresentado pelo Deputado Federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) objetivando excluir o dia 21 de abril, dedicado à celebração da memória de Tiradentes, do calendário de feriados nacionais.

 

A intenção manifestada pelo parlamentar é de instituir como feriado, em substituição, o dia 22 de abril, data relativa ao descobrimento do Brasil pelas naus portuguesas comandadas por Pedro Álvares Cabral. Ainda segundo a justificação apresentada pelo nobre Deputado: “Para que não permaneçam dois feriados nacionais em datas contíguas, estamos revogando o feriado de 21 de abril, relativo à morte de Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes. Essa data é uma criação do regime republicano, instalado no Brasil através de um golpe militar que baniu a família imperial brasileira.”

 

Conquanto concordemos com a grande importância histórica da data relacionada à chegada da frota de Cabral ao território brasileiro, que era habitado há milênios por povos que aqui se estabeleceram com absoluta primazia sobre os portugueses, impossível admitir o pretendido revisionismo histórico e tentativa de apequenamento da figura do Alferes Tiradentes, que pagou com a própria vida o preço de ter sonhado com a liberdade e a independência de nosso país.

Tela: Julgamento da Inconfidência. Eduardo Sá. 1921. Museu Histórico Nacional

O exercício do poder de legislar não prescinde de responsabilidade, equilíbrio, impessoalidade e ética por parte dos dignos representantes do povo brasileiro, que possui incorporado ao seu patrimônio jurídico comum, ou memória coletiva, personagens e fatos históricos que são representativos dos valores mais caros e de maior significação para a nossa nação. E, certamente, reside no movimento da Inconfidência Mineira e no exemplo que nos foi legado por Tiradentes uma das mais belas e expressivas páginas da história do nosso país.

 

Impossível negar tal fato, cujo julgamento não pode se dar com fundamento em convicções, interesses e ideologias de caráter pessoal, desvinculadas do sentimento comum que reside no âmago do coração da maior parte da nação, que ama a liberdade, cultua os seus heróis e reconhece o seu passado.

 

Talvez desconheça o nobre Deputado Federal autor  do sobredito projeto de lei que seu antepassado,  o digno e virtuoso Imperador Pedro II, quando de sua viagem a Minas Gerais, em 1881, demonstrou especial atenção e respeito pelo movimento inconfidente, chegando a registrar em seu diário ter visitado as casas de Tomás Antônio Gonzaga e Marília de Dirceu, em Ouro Preto, bem como a estalagem da Varginha, em Ouro Branco, local das reuniões dos conjurados e onde ficou exposto um dos quartos do corpo de Tiradentes, personagem que ora se pretende desdourar.

 

Vale ainda lembrar que no ano de 1994, em Lisboa, o então Presidente de Portugal, Mário Soares, em discurso proferido em sessão solene realizada na Embaixada Brasileira, deixou registrado: “Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é hoje para todo o Brasil uma figura mítica, um herói, um mártir e uma referência tutelar. É, pois, essencial que Portugal o assuma como um herói igualmente seu, num sincero ato de contrição e de reabilitação histórica. Portugal, que tem uma história gloriosa, de que tanto nos orgulhamos, tem sabido sempre ter a coragem de, nos momentos cruciais, encarar, com verdade e com rigor, o seu passado multissecular, corrigindo erros, fazendo justiça a quem é devida, e, sobretudo, retificando as faltas, por forma a salvaguardar e preparar o futuro”.

 

É com esse sentimento de respeito pelo passado e seus vultos mais grandiosos que esperamos que o Congresso Nacional, norteado pelo equilíbrio e bom senso, rejeite a infeliz iniciativa de se tentar, novamente, condenar a figura do Alferes da Liberdade.

 

Imagem: Tela Julgamento da Inconfidência. Eduardo Sá. 1921. Museu Histórico Nacional