JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS

PATRONO DA CADEIRA NÚMERO 25

Por Floriano de Lima Nascimento

O fascínio de sua pena é incomparável. Impeliam-no, ao compor a obra, indignação de patriota, senso de jurista e inspiração de liberal, contribuindo para a veemência da objurgatória dissimulada nos períodos sem subverter a verdade.” Vivaldi Moreira

1. INTRODUÇÃO
Afirma Bossuet, num trecho de seus escritos, que a nação, organizada em um corpo político, é “o que inspira nos cidadãos o gosto pela glória, que os habitua à paciência na realização do trabalho, que imprime em seus corações um grande amor pela pátria. (...) Em todas as épocas, o que produziu os grandes homens depois que a natureza neles se manifestou, foram os sentimentos fortes e de nobres impressões que, repartidos por todos os espíritos, se comunicaram de um a outro.

Ao abordar a vida e a obra de uma personalidade como a do Senador Joaquim Felício dos Santos, “polígrafo prodigioso, jurista, romancista, teatrólogo, homem de imprensa, espírito versátil, sedutor sempre pela eficácia da composição seriedade de seus trabalhos”, na expressão do escritor Vivaldi Moreira, escolhemos o denso pensamento de um luminar das letras francesas para tentar apreender, em suas múltiplas nuanças, a contribuição legada a Minas e ao Brasil por um homem de têmpera adamantina.

2. A VIDA NO SERRO DO FRIO E EM DIAMANT1NA
Joaquim Felício dos Santos nasce no dia lº de fevereiro de 1828 na Vila do Príncipe, sede de comarca do Serro do Frio, província de Minas. Eram seus pais Antônio José dos Santos, então administrador da Casa Fundição do Ouro e Maria Jesuína da Luz, de prendas domésticas Tinha irmãos mais velhos, nascidos no Tejuco e em São Gonçalo do Rio Preto localidades nas quais a família possui propriedades e exerce atividades de diversa natureza. Permanece no Serro até o ano de 1838, quando a vizinha Vila Diamantina é elevada à categoria de cidade. Depois de ter estudado com o mestre-escola Manuel da Costa, ele se transfere para a novel cidade onde se abebera na gramática latina e em outras fontes de conhecimento. De acordo com excelente esboço biográfico da lavra de Alexandre Eulálio que prefacia “Memórias do Distrito Diamantino”, obra prima de Joaquim Felício dos Santos, “O levante liberal de 1842 encontra toda a família alinhada com os revoltosos; entres estes encontram-se o padre João Floriano e o primogênito de Antônio José João Felício, obrigados a se esconder após o “fogo de Mendanha”, de que participaram. Pouco depois, parte o moço Joaquim para Congonhas do Campo, com fito de concluir aí o curso fundamental e depois fazer em São Paulo o seu Direito. No educandário dos lazaristas, cursa os Preparatórios sob a orientação do mano João, dez anos mais velho; este, influído pela figura do tio Padre, ali faz as vezes de lente de Filosofia, ao mesmo tempo que se habilita para a carreira eclesiástica. Em breve seguiria (depois do estágio com seu mestre Dom Viçoso, então eleito Bispo de Mariana, que o ordena e o fará em 1847 Cônego da Sé) para o Doutorado Romano in utroque jure e dois anos de Paris, onde declina o convite para catedrático em Saint-Sulpise. A brilhante vida intelectual e espiritual dos dois irmãos, que se emparelha a partir dos Congonhas, há de manter curiosa relação dialética até a morte do mais moço”.

Em Diamantina, Congonhas e, mais tarde, em São Paulo, os irmãos têm como coetâneo e contemporâneo Aureliano José Lessa.

Juntamente com a prática forense e a atividade docente, a Política continua a interessar profundamente Joaquim Felício. Liberal por convicção, dissentindo da situação do partido no país, toma a iniciativa de levantar ideias, dado o amplo raio de influência da cidade na região. Em 30 de dezembro de 1860, surgirá uma folha política e noticiosa planejada há tempos para defender o ideário liberal. Diz Alexandre Eulálio:
“Redator básico da folha, além dos editoriais políticos, aí começa a publicar Joaquim Felício a secção Distrito Diamantino. Roteiro básico das minerações, portanto trabalho de imediata utilidade para a intensa atividade extrativa que tem lugar na área. Assumia ao mesmo tempo a função de repositório das tradições locais, de amplo alcance político, para tornar presentes os abusos inacreditáveis, aliás bem recente, do período colonial. O êxito alcançado pela matéria, que se vai prolongando pelas colunas da Gazeta, leva-o a encetar, à margem da mesma, os primeiros esboços de narrativas com sabor local, que aumentam ainda a popularidade da folha. Procura capitalizar esse prestígio, candidatando-se, nesse mesmo 1861, à Assembléia da Província, mas sem êxito; contudo, dois anos depois, em agosto, elege-se deputado-geral na Legislatura “1864-1865”, tendo de interromper a carreira do semanário. Nele já havia inserido, contudo, nesses três anos de intensa produção, a sua obra de cronista e narrador.”

Na Câmara dos Deputados, as decepções não tardam a aparecer. Ao apresentar projeto de reforma constitucional abolindo a vitaliciedade do Senado, além de outros princípios defendidos pela Constituição de Pouso Alegre, não recebe, por parte de seus colegas, qualquer atenção. Sua iniciativa é praticamente ignorada pelo Senado.

Esses fatos, no Brasil, vem de longe e, com certeza, se estendem no tempo. Imagine o leitor a reação que produziria no Congresso nacional, nos dias de hoje, a apresentação de projetos de Lei que acabassem com a excrescência do fórum privilegiado para políticos, mudasse a legislação processual penal no tocante aos delitos de maior gravidade, aí incluídos os crimes financeiros, ou reduzisse o número de cadeiras nos parlamentos; tais iniciativas seriam inicialmente ignoradas e, ao cabo, arquivadas. A reação de Joaquim Felício não demora. Ferido na alma e nos ideais, abandona, na prática, a cadeira parlamentar depois de alguns meses. Dedica-se ao trabalho de revisão de escritos antigos, que, transcritos na Corte, receberiam elogios dos especialistas. Nos meses seguintes, prepara a advertência inicial das “Memórias do Distrito Diamantino”. Em 1866, edita a novela Acayaca, que juntamente com a obra histórica acima referida, obtém “um êxito de estima muito notável”. O desgosto com a atividade política o leva ceder o lugar ao sobrinho Antônio Doutor em Medicina, que acaba se saindo muito bem.

Segundo Alexandre Eulálio, “A crise política nesse ano de 1868, provocando extrema radicalização em momento crítico da guerra externa, leva os liberais de Diamantina a uma reunião de esforços que faz ressuscitar o Jequitinhonha”. Em 1871, será este o primeiro órgão da imprensa brasileira a se declarar sem subterfúgio republicano e disposto a acompanhar o programa do Manifesto do ano anterior, conforme o declara na edição de 1º de janeiro. Desde o segundo número da segunda fase do semanário, aparecem as páginas da “História do Brazil escrita no ano de 2000”, curiosa ficção satírica em que Joaquim Felício se finge um historiador do futuro a escrever a crônica daquele momento e que desmascara a farsa política do tempo. De meados de 1868 a meados de 1873, o autor prossegue inabalável em sua caricatura. Espirituoso e agressivo, a partir de começos de 1870, o “Anno de 2000” passava a imaginar uma excursão de Dom Pedro II pelo futuro, visita patética ao mundo novo republicano do porvir, onde ninguém mais se lembrava de certo vago soberano constitucional que reinara sobre o Brasil durante o século XIX.

Recebendo do Ministro Lafayete Rodrigues, do Gabinete Sinimbu, a insinuação de que o Governo acolheria bem um projeto de Código Civil elaborado pelo jurista diamantinense, Joaquim Felício dos Santos, mesmo surpreso, aceitou o encargo. Retirando-se para a Chácara das Bicas nos arredores da cidade por quase três anos entre agosto de 1878 e princípio de 1881, redige os “Apontamentos para a Projecto do Código Civil Brazileiro”, que encaminha a corte em março de 1881. O Ministro de Justiça do Novo gabinete, Manuel de Souza Dantas, constitui comissão de jurisconsultos para opinar sobre o mesmo, a qual emite o parecer no dia 29 de julho. Diz Alexandre Eulálio: “A comissão técnica decide contudo que deveria ser aguardada a conclusão do Projeto Coelho Rodrigues, encomendado para o Governo Provisório da República, parecer que o Plenário acata. Chega finalmente ao Senado, em 1893, esse segundo projeto; também ele três anos depois, será recusado. Nessa data, insiste o Senador Coelho Rodrigues fosse então encaminhado o projeto do jurisconsulto mineiro, consoante a proposta de setembro de 1891. Sem êxito. (...)” A Acayaca é reeditada em 1894 em Ouro Preto, primeiro como folhetim do “Estado de Minas, depois em forma de volume. O seu autor sobreviveria ao livro menos de um ano. Viria a falecer a 21 de outubro de 1895, nesse povoado que ajudara a fundar e onde os ossos dele jazem hoje conforme a sua vontade. Eis um sucinto perfil de Joaquim Felício dos Santos, seu tempo e sua obra, para conhecimento e reflexão da posteridade, numa época marcada pelo acaso dos estadistas e, em consequência, pelo abandono dos grandes projetos nacionais.